DOENTES ONCOLÓGICOS EM CUIDADOS INTENSIVOS:
UM ESTUDO RETROSPECTIVO
Paulo Lopes, Fernando Carreira, Laura Ferreira, Ana Dias, Catarina Mendes
Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de St. António dos Capuchos
Lisboa, Portugal
INTRODUÇÃO: A admissão de doentes oncológicos em Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs) é frequente no decurso da sua doença. Não existe todavia consenso sobre quando admitir estes doentes, ou seja, como distinguir o doente com uma intercorrência potencialmente reversível daquele em que o motivo de internamento é consequência da evolução final do seu processo patológico.
O objectivo deste trabalho é apresentar a experiência de uma UCI polivalente de um Hospital Central no tratamento de doentes oncológicos em estado crítico, avaliando comparativamente os doentes oncológicos e hemato-oncológicos.
MATERIAL E MÉTODOS: Estudo retrospectivo de todos os doentes de foro oncológico, internados na UCIP do Hospital de St. António dos Capuchos de Julho de 1991 a Dezembro de 1999. Excluídos os doentes admitidos exclusivamente para a realização de procedimentos de curta duração. Foram avaliadas as características clínicas e demográficas, a gravidade da doença (APACHE II e SAPS II nas primeiras 24 horas de internamento), a carga de trabalho de enfermagem (TISS-28 diário) e o resultado à saída da UCI e do Hospital. O grupo de estudo foi posteriormente dividido de acordo com o tipo de neoplasia em doentes com patologia hemato-oncológica (grupo 1) e outras neoplasias (grupo 2).
Foi utilizado o teste T de Student para a comparação de médias em variáveis normalmente distribuídas e o teste de Mann-Whitney U para as variáveis não normais. Todos os resultados são apresentados como média ± desvio-padrão excepto quando indicado de outro modo.
RESULTADOS: Durante o período de estudo foram admitidos 1968 doentes (58.4% do sexo masculino), dos quais 243 (12.3%) do foro oncológico (71 - 29.2% do grupo 1 e 172 – 70.8% do grupo 2). A causa de admissão dos doentes é maioritáriamente por patologia médica,93% para o grupo 1, 54% para os doentes do grupo 2. Dentro da patologia médica, a respiratória é a mais frequente; na patologia cirúrgica é a cirurgia gastro intestinal.
As principais características da população estudada encontram-se descritas no quadro 1.
Variável |
hemato-oncológicos |
Outras neoplasias |
Sexo masculino *, % |
50.7 |
61.6 |
Idade média, anos* |
49.8 ± 18.1 |
61.1 ± 14.8 |
Grupo, %*: Médico Cirúrgico urgente Cirúrgico programado |
93.0 0.0 7.0 |
50.6 30.2 19.2 |
SAPS II* |
60.2 ± 22.6 |
42.9 ± 19.9 |
Mortalidade prevista SAPS II*, % |
60.3 ± 30.9 |
34.8 ± 30.1 |
APACHE II* |
28.8 ± 9.6 |
19.9 ± 9.6 |
Mortalidade prevista APACHE II*, % |
59.7 ± 27.7 |
36.7 ± 27.7 |
TISS-28 médio diário |
31.4 ± 5.6 |
31.1 ± 8.8 |
TISS-28 cumulativo |
389.3 ± 482.3 |
351.5 ± 450.8 |
Demora média na UCI**, dias |
8.9 ± 12.9 |
11.1 ± 14.6 |
Mortalidade na UCI, %* |
64.6 |
40.1 |
Mortalidade no Hospital, %* |
81.5 |
48.8 |
*: p < 0.001 **: p < 0.05
CONCLUSÕES:
Neste estudo, os doentes hemato-oncológicos são globalmente mais novos, do foro médico, com maior gravidade, com necessidade de maior carga de trabalho de enfermagem, menor demora média e maior mortalidade, quer na UCI quer no Hospital, comparativamente aos restantes doentes oncológicos. A mortalidade é muito superior á prevista no SAPS II e APACHE II. O seu elevado consumo de recursos associado à sua grande mortalidade deve levar-nos a questionar os critérios de admissão destes doentes na UCI. Parece-nos assim mandatória a realização de estudos prospectivos destinados à identificação de critérios prognósticos objectivos nesta população, que possam complementar os critérios clínicos habitualmente utilizados.