MARCADORES CIRCULANTES DA SEPSIS
Custódio Fidalgo
Unidade Cuidados Intensivos Santarém
Portugal
A sepsis está associada com o início e
propagação de uma intensa cascata
inflamatória, envolvendo células inflamatórias e mediadores.
Muitas destas células e mediadores foram
identificados durante os últimos anos sendo as suas acções específicas,
exploradas cuidadosamente e intensamente.
Mais recentemente os investigadores
iniciaram a avaliação destes mediadores como ferramentas de diagnóstico e
prognóstico em doentes gravemente doentes.
A pesquisa dum marcador que diagnostique a
sepsis será extremamente útil.
Um marcador que preveja o desenvolvimento
de sepsis, levará à identificação de risco no decurso inicial da sua doença. Isto levará mais cedo a intervenções
clinicas, incluindo terapêutica antibiótica, monitorização respiratória e
cardiovascular e à administração de terapêuticas mais especificas para a sepsis.
A pesquisa dum marcador prognóstico pode
também ajudar a processos de decisão clinica em relação aos cuidados do doente,
uso de recursos e talvez no futuro a discussões éticas de início e fim de
medidas de suporte de vida.
Porque a sepsis tem um início muito
rápido, apenas alguns mediadores com estas características têm a capacidade de
ser usados como marcadores de diagnóstico ou prognóstico. Também devido ao
inicio rápido da sepsis o teste laboratorial dos marcadores deve ser rápido devendo a sua interpretação ser uniforme.
A colheita do produto a analisar deve ser
rápida e não sujeitar o doente a nenhum risco acrescido.
Baseados nestes dois critérios os
mediadores devem ser obtidos de amostras de sangue periférico.
Até hoje foram investigados muitos mediadores
circulantes com potencial diagnóstico e prognóstico.
Existem três fases arbitrárias da cascata
inflamatória : iniciação, ampliação e agressão durante as quais se estudam ao
mediadores circulantes.
INICIAÇÃO
Caracterizado
pela transformação do evento inicial numa actuação generalizada da cascata.
Muitas
substâncias são capazes de iniciar a cascata inflamatória. As endotoxinas foram
responsabilizadas. Como iniciadores da cascata inflamatória em muitos doentes.
Por isso foram extensamente estudados em doentes em risco de sepsis e
assinalados como marcadores diagnósticos.
Níveis
elevados de endotoxinas previram a presença de endotoxémia com uma
sensibilidade e especificidade de 79% a
96% respectivamente.
Contudo, devido a que a incidência de septicemia era de apenas 4% a detecção de
endotoxémia produziu um valor previsível muito mais baixo , 48% .
Dos
vários estudos realizados não ficou claro se as endotoxinas seriam um bom
marcador de uso clínico. Ficou como hipótese
que as endotoxinas iniciam e ampliam a cascata inflamatória através de
vários mecanismos incluindo o "priming" de neutrófilos para uma
resposta aumentada ao estímulo tal como fragmentos do complemento e activação
da cascata do complemento.
Muitos
componentes da cascata incluindo
C3 , C3 a desArg ,C5a desArg e o
complexo terminal sC5b-9 foram medidos em doentes com sepsis. Dos estudos
realizados ficou clara a evidência que a activação do complemento ocorre em
doentes com sepsis , mas a medição simples da activação do complemento não
provou ser clinicamente útil como
marcador diagnóstico e prognóstico da sepsis.
As
endotoxinas podem estimular a libertação de várias citoquinas, incluindo o
factor de necrose tumoral (TNF), Interleucinas 1, 6 e 8, os quais foram
implicados na patogénese da sepsis sendo estudadas as capacidades diagnosticas
e prognosticas de cada um destes mediadores .Muitos prometeram resultados
prometedores especialmente os níveis circulantes de IL-6, mas nenhum destes
mediadores está concretamente em uso.
AMPLIAÇÃO
A
ampliação é definida pelo recrutamento , activação e retenção das células
efectoras nos tecidos alvo .
Em
modelos de sepsis tanto em vitro como em animais , muitas células incluindo ,
neutrófilos, monócitos, macrófagos e plaquetas ampliam ou modelam o processo inflamatório .
Foi
determinado se as alterações nestas células poderiam ser úteis como marcadores.
Apesar de não haver uma alteração da função, não foi encontrada nenhuma medida
especifica que mostrasse ter características claras de marcador diagnóstico ou
prognóstico. É pouco provável que a análise directa destas células venha a ter
uso clínico.
A interacção entre as células
inflamatórias , especialmente os neutrófilos e as células do endotélio vascular
é uma característica da sepsis sendo a alteração do endotélio vascular o
desarranjo principal subjacente àquele síndrome.
As células do endotélio activadas ou
agredidas, podem também libertar outros compostos bioactivos durante o processo
inflamatório que podem também servir como potenciais marcadores.
Os marcadores circulantes das células endoteliais activadas ou
agredidas são relativamente rápidos e fáceis de medir, tendo por isso sido
profundamente estudados como potenciais marcadores diagnósticos e prognósticos
na sepsis.
O antigénio factor de VonWillebrand (v-WF-Ag)
tem sido o marcador mais extensivamente estudado em doentes com sepsis.
As endotoxinas estimulam a libertação de
v-WF-Ag do endotélio , 3 horas após a sua infusão. Estudos revelam ser um bom
marcador para a previsão do desenvolvimento da lesão pulmonar aguda ( ALI ).
Mostrou também ser um bom marcador de prognóstico.
80 % dos doentes com um nível v-WF-Ag maior
que 450% morrem.
De todos os estudos efectuados com este
marcador, a melhor sensibilidade e especificidade que se pôde obter foi de
apenas 70 e 40 % respectivamente. Níveis elevados de v-WF-Ag foram documentados
em muitas outras doenças incluindo vasculites, falência hepática fulminante,
esclerodermia e hipertensão pulmonar primária.
A E-Selectina é uma molécula específica do
endotélio que medeia a adesividade das células endoteliais a vários tipos de
leucócitos.
Parece representar um marcador específico
da actividade da célula endotelial.
Em doentes com sepsis e com síndrome de
resposta inflamatória sistémica (SIRS) , os níveis plasmáticos da E-Selectina
estão aumentados comparativamente com os controlos. Também pode haver alguma
correlação entre os níveis de E-Selectina e a gravidade da doença. Quando
analisada profundamente para determinar o seu uso como marcador prognóstico não
parece haver uma boa correlação entre os níveis plasmáticos e a mortalidade
observada, embora nenhum doente tenha sobrevivido com níveis plasmáticos
maiores que 36 unidades/ ml.
A molécula de adesão intracelular 1 (ICAM-
1) é uma molécula de adesão endotelial que reconhece a molécula de adesão CD
11/ CD 18 nos neutrófilos circulantes. A sua resposta é regulada em resposta ao
IL 1 e TNF.
Como o v-WF- Ag. o ICAM- 1 também não é
produzida pelas células endoteliais. Poucos estudos investigam o papel do
ICAM-1 circulante como marcador diagnóstico e prognóstico. Sendo no entanto o
seu nível mais alto durante a sepsis do que em controlos normais. São
necessários mais estudos.
A P-Selectina é produzida pelas plaquetas
e células endoteliais tendo um importante papel na interacção intercelular
durante a cascata inflamatória após a activação das células endoteliais por
citoquinas. A P-selectina é rapidamente mobilizada para a superfície
celular e é parcialmente libertada no
lúmen vascular. Estudos recentes demonstraram o seu aumento no plasma de
doentes com malária e na superfície das plaquetas do doentes com sepsis. A P-
Selectina associada às plaquetas demonstrou ser maior nos doentes com sepsis
com falência múltipla de orgãos (APACHE II > 20) do que nos doentes com
disfunção orgânica média (APACHE II < 20).
Em resumo, devido à importância das
células do endotélio na cascata da inflamação , muitos produtos das células
endoteliais foram testados como
potenciais marcadores diagnóstico e prognóstico. Os estudos iniciais parece
terem um significado estatístico e clínico importante , especialmente os níveis
de v-WF-Ag . Contudo os estudos posteriores não foram tão encorajantes .
Portanto, presentemente como com os mediadores envolvidos na fase inicial da
cascata da inflamação nenhum destes mediadores é clinicamente útil.
AGRESSÃO
Ocorre quando as células efectoras
libertam substâncias agressivas que produzem danos directamente
Os mediadores da agressão, incluindo os
metabolitos do O2 , radicais livres e proteases também contribuem para a
agressão.
Presentemente
estes mediadores tóxicos não podem ser medidos directamente na circulação dos
doentes, mas existe a evidência indirecta de que estes mediadores estão
envolvidos na patogénese da sepsis.
FUTURO
Ainda
que a função dos vários mediadores e moduladores envolvidos na cascata
inflamatória, esteja melhor percebida, não existe um uso clínico de marcador da
sepsis universalmente aceite.
Embora
seja provável nunca existir um marcador
para a sepsis , foram identificados vários factores que contribuem para o
presente desapontamento e espera-se que o reconhecimento destes problemas possa
vir a melhorar o desenho dos futuros estudos.
A primeira variável tem a ver com
definição de sepsis. Muitas das diferenças existentes em variados estudos têm a
ver com as diferentes definições utilizadas.
Outra variável com potencial confusão é o
"timing" dos estudos, o qual pode contribuir para resultados
heterogéneos.
A actividade da cascata inflamatória pode
ser diferente em doentes com sepsis recente dos doentes com sepsis estabelecida
há mais tempo. Todos os mediadores estão presentes de forma contínua durante os
diferentes níveis de sepsis. Alguns mediadores são libertados intermitentemente
e têm semi-vidas extremamente curtas.
As diferenças nas técnicas de ensaio podem
contribuir para os diferentes resultados nos estudos efectuados.
Dois importantes factores podem contribuir
para a dificuldade na identificação e uso clínico dos marcadores. Os níveis de
mediadores mensuráveis na circulação dos doentes pode não representar o que
realmente ocorre no local da agressão . A maioria das citoquinas têm formas
circulantes e formas associadas às células. As formas associadas às células
podem ser apenas as formas percursoras das formas circulantes, o que não foi
provado. As concentrações teciduais das citoquinas pró-inflamatórias tais como
o TNF podem ser muito mais elevadas que os níveis circulantes.
CONCLUSÃO
Não
existe um marcador diagnóstico ou prognóstico para a sepsis.
Os numerosos estudos dos potenciais
marcadores , contribuíram grandemente para o conhecimento da patogénese do
síndrome. Os estudos também contribuíram para o reconhecimento das variáveis
que podem alterar os estudos clínicos e em muitos casos estas variáveis podem
ser corrigidas.
À medida que novos potenciais mediadores e
moduladores da inflamação forem descritos , torna-se importante avaliar o seu
potencial como marcador de sepsis