MÉTODOS DIALÍTICOS INTERMITENTES EM CUIDADOS INTENSIVOS

Jorge O. Silva
Serviço de Nefrologia. Hospital Garcia de Orta
Almada. PORTUGAL

hgonef@mail.telepac.pt


A escolha do método dialítico para tratar doentes em cuidados intensivos, depende de variados factores:

Objectivo do tratamento: correcção de sobrecarga hídrica; controle de sintomas urémicos (pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), correcção de desequilíbrios elcctrolíticos e ácido-base
A estabilidade hemodinâmica do doente
Grau de catabolismo
Meios disponíveis tendo em atenção os aspectos económicos
Experiência da unidade

Não somos dos que pensam que os métodos dialíticos intermitentes estão em oposição aos contínuos. Oposição existe sim entre uma diálise violenta e inadequada e outra suave mas eficiente. Uma sessão de diálise deve permitir melhorar a estabilidade hemodinâmica por forma a que o doente tolere o tratamento e no final se consigam melhorias no equilíbrio hidro-electrolítico, ácido-base e metabólico.

A chamada «diálise profilática» de acordo com valores laboratoriais de marcadores de função renal, não mostrou qualquer benefício e pode ser deletéria (1-2). Na realidade a diálise «intempestiva» pode atrasar a recuperação duma Insuficiência Renal Aguda ou mesmo comprometer a sua reversibilidade. Pensa-se que os mecanismos de lesão renal poderão ser a hipotensão e isquémia repetitiva ou a activação do complemento pelas membranas de diálise, com hiperregulação das moléculas de adesão dos granulócitos e infiltração leucocitária do rim. Assim sendo o início de diálise tem que ter as suas indicações precisas.

A distinção entre métodos intermitentes e contínuos é aleatória: se considerarmos a definição restrita de 24 h / dia para métodos contínuos, raras são na Europa as unidades que fazem técnicas contínuas. Se adoptarmos o critério mais lato e considerarmos contínuas, técnicas com sessões de 12 a 14 horas, já a maioria das unidades pratica «técnicas contínuas». Não há estudos que demonstrem diferenças dos resultados obtidos entre estes dois tipos de técnicas.

A transposição directa para as UCIs, da técnica «standard» de 4 h de hemodiálise, tal como se pratica nos centros de hemodiálise para crónicos, não é actualmente minimamente aceitável. Numa UCI a estratégia de diálise não tem qualquer paralelo com a estratégia usada em doentes crónicos e tem que ser adequada às características e situação de cada doente em particular. O tempo de diálise é particularmente importante; ficou demonstrado que para doentes com Insuficiência Renal Aguda, a hemodiálise efectuada em dias alternos se acompanhava duma mortalidade dupla da que se obtinha dialisando diariamente os doentes (3).

Objectivo do tratamento: correcção de sobrecarga hídrica; controle de sintomas urémicos (pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), correcção de desequilíbrios electróliticos e ácido-base

Em geral os métodos intermitentes baseiam-se mais na difusão e os contínuos na ultrafiltração ou convecção. Contudo isto não é uma realidade absoluta, e a verdade é que na maioria dos casos o método é misto, ou seja, usa a difusão e a convecção doseadas em maior ou menor grau. Com um monitor standard de hemodiálise podemos fazer convecção pura (diálise seca) e numa máquina de hemofiltração, se fizermos passar um soluto no compartimento onde se forma o ultrafiltrado, estamos a fazer hemodiafiltração.

Postas estas considerações, se o objectivo do tratamento é retirar fluidos, um método contínuo poderá ser mais indicado, sobretudo se a instabilidade hemodinamica for grande. Se o problema for urémia sintomática (pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), desequilíbrios elcctróliticos ou ácido-base, a opção por um método intermitente poderá ser mais eficaz, fácil e ajustada.

A estabilidade hemodinâmica do doente

Bergström explicou convincentemente a maior estabilidade hemodinâmica dos métodos convectivos sobre os difusivos. Quando o sangue passa através dum filtro, por acção da pressão hidrostática do sangue, há uma ultrafiltração de líquido do espaço vascular para o compartimento do dialisante, o que tende a baixar a TA. Na hemofiltração não passa líquido no compartimento do dialisante e o ultrafiltrado é total ou parcialmente reposto com soluções equilibradas, o que contraria a hipovolémia e estabiliza a hemodinâmica do doente. Além disso a ultrafiltração leva ao aumento da pressão oncótica do plasma com chamada de líquidos do espaço intersticial e tendência para correcção da hipovolémia. Ao contrário, na hemodiálise além dessa hipovolémia, há uma descida na osmolaridade sanguínea por rápida difusão da ureia para o dialisante. Em consequência da hiposmolaridade sanguínea, há saída adicional de fluidos vasculares para o espaço intersticial, que está mais hipertónico, com agravamento da hipovolémia. Ao mesmo tempo há difusão de ureia do espaço intracelular para o espaço vascular com desidratação intracelular, o que estaria na base do S. de Desequilíbro (4-7). Num doente de cuidados intensivos hemodinamicamente estável, uma sessão de diálise diária, com uma duração de mais de 8 horas, com uma velocidade de bomba de sangue baixa ( <150 ml/min), uma velocidade de dialisante baixa (>< 300 ml/min) e um balanço hídrico inferior a 200 ml/h, é provavelmente mais eficaz, mais económico e tão seguro como qualquer método contínuo.

Na situação oposta de grande instabilidade hemodinâmica, as técnicas intermitentes de curta duração são perigosas e não devem ser usadas. As técnicas contínuas, muito mais dispendiosas em pessoal e material, baseadas na hemofiltração e hemodiafiltração ganharam terreno e impuseram-se no tratamento destes doentes críticos. Contudo, nos últimos anos tem surgido tanto na Europa como nos EUA uma versão de hemodiálise, baseada em monitores standard para crónicos mas com ligeiras modificações. Esta técnica «Slow Low Efficiency Dialysis» (SLED) (8) tem como principal vantagem ser económica em materiais (usa os mesmos da hemodiálise para crónicos) e pessoal. Permite uma estabilidade hemodinâmica idêntica à dos métodos contínuos, permite uma eficácia difusiva superior à dos métodos contínuos. Na realidade pode ser considerada um método contínuo pois a sua duração varia de 8 a 24 h / dia consoante a situação clínica e as UCIs que a utilizam. Como características salientes a velocidade do dialisante e da bomba de sangue de 100 ml/min, determinam uma diálise muito suave. Em países em que o custo dos cuidados médicos é uma preocupação dos governos, tem vindo a ganhar cada vez mais terreno e terá tendência em se transformar no «gold standard» da terapêutica substitutiva da Insuficiência Renal Aguda.

 

Grau de catabolismo

O doente hipercatabólico é um importante problema nas UCIs. A difusão é muito mais eficaz (e económica) na remoção de solutos que a convecção. Assim para se obter uma clearence de 12 ml/min é necessária uma ultrafiltração de 17 L/dia com a respectiva substituição por líquidos de hemofiltração. Isto poderá ser razoável num doente não hipercatabólico, mas seguramente é insuficiente num hipercatabólico. O problema acresce com recentes estudos que mostraram que a quantidade de diálise prescrita é sempre muito inferior à efectuada em CI, porque o tempo de diálise não é respeitado, há coagulações no circuito que baixam a eficácia, a recirculação cardio-pulmonar e a do acesso não é tida em conta…(9-11) A quantidade de diálise efectuada é directamente proporcional à sobrevida em cuidados intensivos (12) sobretudo nos doentes com scores de média gravidade, ou seja se excluirmos os extremamente mal e os que estão bem (provavelmente não precisariam de estar nas unidades). Em muitas Unidades de Cuidados Intensivos ainda se valoriza pouco a quantidade de diálise efectuada (o chamado Kt/V), dando-se mais ênfase á remoção de fluidos que tem um efeito mais visível e mensurável no imediato. Contudo há uma crescente tendência em valorizar a eficácia da remoção de solutos. Neste aspecto o doseamento dos valores de ureia antes e depois da diálise é fundamental para a utilização dos modelos de cinética da ureia e sua correlação com os scores de gravidade e mortalidade em cuidados intensivos.

Meios disponíveis tendo em atenção os aspectos económicos

Perante a subida exponencial dos custos de saúde, mesmo os governos de países ricos têm tendência a racionalizar os custos e distribuir os orçamentos para a saúde em função da produtividade das unidades e da relação custo / benefício. Assim uma técnica mais cara e que não demonstra claramente ter resultados superiores, em sistemas económicos controlados, terá tendência a ser substituída. A diálise, pelo seu preço elevado é o alvo frequente de comissões governamentais de avaliação custo / benefício, em países avançados. Cada vez mais, será difícil justificar o uso de técnicas com uma baixa relação custo / benefício, mesmo em países atrasados. No futuro próximo surgirão estudos controlados comparando os diversos métodos de substituição da função renal em Cuidados Intensivos.

 

Experiência da unidade

A experiência que o staff duma unidade tem com técnicas substitutivas de função renal é determinante na escolha do método de tratamento e pode-se dizer que todas as técnicas são boas desde que aplicadas por quem tenha um profundo conhecimento das suas vantagens e limitações e possa tirar o melhor partido delas. Assim é preferível usar unicamente as técnicas que estão rotinadas e das quais se tem um perfeito «know how» em vez de experimentar técnicas que nas mãos de outros dão excelentes resultados.

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