A escolha do
método dialítico para tratar doentes em cuidados intensivos, depende de
variados factores:
Objectivo do
tratamento: correcção de sobrecarga hídrica; controle de sintomas urémicos
(pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), correcção de desequilíbrios
elcctrolíticos e ácido-base
A estabilidade hemodinâmica do doente
Grau de catabolismo
Meios disponíveis tendo em atenção os aspectos económicos
Experiência da unidade
Não somos dos
que pensam que os métodos dialíticos intermitentes estão em oposição aos
contínuos. Oposição existe sim entre uma diálise violenta e inadequada e outra
suave mas eficiente. Uma sessão de diálise deve permitir melhorar a
estabilidade hemodinâmica por forma a que o doente tolere o tratamento e no
final se consigam melhorias no equilíbrio hidro-electrolítico, ácido-base e
metabólico.
A chamada
«diálise profilática» de acordo com valores laboratoriais de marcadores de
função renal, não mostrou qualquer benefício e pode ser deletéria (1-2). Na
realidade a diálise «intempestiva» pode atrasar a recuperação duma
Insuficiência Renal Aguda ou mesmo comprometer a sua reversibilidade. Pensa-se
que os mecanismos de lesão renal poderão ser a hipotensão e isquémia repetitiva
ou a activação do complemento pelas membranas de diálise, com hiperregulação
das moléculas de adesão dos granulócitos e infiltração leucocitária do rim. Assim
sendo o início de diálise tem que ter as suas indicações precisas.
A distinção
entre métodos intermitentes e contínuos é aleatória: se considerarmos a
definição restrita de 24 h / dia para métodos contínuos, raras são na Europa as
unidades que fazem técnicas contínuas. Se adoptarmos o critério mais lato e
considerarmos contínuas, técnicas com sessões de 12 a 14 horas, já a maioria
das unidades pratica «técnicas contínuas». Não há estudos que demonstrem
diferenças dos resultados obtidos entre estes dois tipos de técnicas.
A transposição
directa para as UCIs, da técnica «standard» de 4 h de hemodiálise, tal como se
pratica nos centros de hemodiálise para crónicos, não é actualmente minimamente
aceitável. Numa UCI a estratégia de diálise não tem qualquer paralelo com a estratégia
usada em doentes crónicos e tem que ser adequada às características e situação
de cada doente em particular. O tempo de diálise é particularmente importante;
ficou demonstrado que para doentes com Insuficiência Renal Aguda, a hemodiálise
efectuada em dias alternos se acompanhava duma mortalidade dupla da que se
obtinha dialisando diariamente os doentes (3).
Objectivo do
tratamento: correcção de sobrecarga hídrica; controle de sintomas urémicos
(pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), correcção de desequilíbrios
electróliticos e ácido-base
Em geral os métodos intermitentes baseiam-se mais na
difusão e os contínuos na ultrafiltração ou convecção. Contudo isto não é uma
realidade absoluta, e a verdade é que na maioria dos casos o método é misto, ou
seja, usa a difusão e a convecção doseadas em maior ou menor grau. Com um
monitor standard de hemodiálise podemos fazer convecção pura (diálise seca) e
numa máquina de hemofiltração, se fizermos passar um soluto no compartimento
onde se forma o ultrafiltrado, estamos a fazer hemodiafiltração.
Postas estas considerações, se o objectivo do tratamento
é retirar fluidos, um método contínuo poderá ser mais indicado, sobretudo se a
instabilidade hemodinamica for grande. Se o problema for urémia sintomática
(pericardite, neuropatia, diátese hemorrágica …), desequilíbrios elcctróliticos
ou ácido-base, a opção por um método intermitente poderá ser mais eficaz, fácil
e ajustada.
A
estabilidade hemodinâmica do doente
Bergström explicou convincentemente a maior estabilidade
hemodinâmica dos métodos convectivos sobre os difusivos. Quando o sangue passa
através dum filtro, por acção da pressão hidrostática do sangue, há uma
ultrafiltração de líquido do espaço vascular para o compartimento do
dialisante, o que tende a baixar a TA. Na hemofiltração não passa líquido no
compartimento do dialisante e o ultrafiltrado é total ou parcialmente reposto
com soluções equilibradas, o que contraria a hipovolémia e estabiliza a
hemodinâmica do doente. Além disso a ultrafiltração leva ao aumento da pressão
oncótica do plasma com chamada de líquidos do espaço intersticial e tendência
para correcção da hipovolémia. Ao contrário, na hemodiálise além dessa
hipovolémia, há uma descida na osmolaridade sanguínea por rápida difusão da
ureia para o dialisante. Em consequência da hiposmolaridade sanguínea, há saída
adicional de fluidos vasculares para o espaço intersticial, que está mais
hipertónico, com agravamento da hipovolémia. Ao mesmo tempo há difusão de ureia
do espaço intracelular para o espaço vascular com desidratação intracelular, o
que estaria na base do S. de Desequilíbro (4-7). Num doente de cuidados
intensivos hemodinamicamente estável, uma sessão de diálise diária, com uma
duração de mais de 8 horas, com uma velocidade de bomba de sangue baixa ( <150 ml/min), uma velocidade de dialisante baixa (><
300 ml/min) e um balanço hídrico inferior a 200 ml/h, é provavelmente mais
eficaz, mais económico e tão seguro como qualquer método contínuo.
Na situação oposta de grande instabilidade hemodinâmica,
as técnicas intermitentes de curta duração são perigosas e não devem ser
usadas. As técnicas contínuas, muito mais dispendiosas em pessoal e material,
baseadas na hemofiltração e hemodiafiltração ganharam terreno e impuseram-se no
tratamento destes doentes críticos. Contudo, nos últimos anos tem surgido tanto
na Europa como nos EUA uma versão de hemodiálise, baseada em monitores standard
para crónicos mas com ligeiras modificações. Esta técnica «Slow Low Efficiency
Dialysis» (SLED) (8) tem como principal vantagem ser económica em materiais
(usa os mesmos da hemodiálise para crónicos) e pessoal. Permite uma
estabilidade hemodinâmica idêntica à dos métodos contínuos, permite uma
eficácia difusiva superior à dos métodos contínuos. Na realidade pode ser
considerada um método contínuo pois a sua duração varia de 8 a 24 h / dia
consoante a situação clínica e as UCIs que a utilizam. Como características
salientes a velocidade do dialisante e da bomba de sangue de 100 ml/min,
determinam uma diálise muito suave. Em países em que o custo dos cuidados
médicos é uma preocupação dos governos, tem vindo a ganhar cada vez mais
terreno e terá tendência em se transformar no «gold standard» da terapêutica
substitutiva da Insuficiência Renal Aguda.
Grau de
catabolismo
O doente hipercatabólico é um importante problema nas
UCIs. A difusão é muito mais eficaz (e económica) na remoção de solutos que a
convecção. Assim para se obter uma clearence de 12 ml/min é necessária uma
ultrafiltração de 17 L/dia com a respectiva substituição por líquidos de
hemofiltração. Isto poderá ser razoável num doente não hipercatabólico, mas
seguramente é insuficiente num hipercatabólico. O problema acresce com recentes
estudos que mostraram que a quantidade de diálise prescrita é sempre muito
inferior à efectuada em CI, porque o tempo de diálise não é respeitado, há
coagulações no circuito que baixam a eficácia, a recirculação cardio-pulmonar e
a do acesso não é tida em conta…(9-11) A quantidade de diálise efectuada é
directamente proporcional à sobrevida em cuidados intensivos (12) sobretudo nos
doentes com scores de média gravidade, ou seja se excluirmos os extremamente
mal e os que estão bem (provavelmente não precisariam de estar nas unidades). Em
muitas Unidades de Cuidados Intensivos ainda se valoriza pouco a quantidade de
diálise efectuada (o chamado Kt/V), dando-se mais ênfase á remoção de fluidos
que tem um efeito mais visível e mensurável no imediato. Contudo há uma
crescente tendência em valorizar a eficácia da remoção de solutos. Neste
aspecto o doseamento dos valores de ureia antes e depois da diálise é
fundamental para a utilização dos modelos de cinética da ureia e sua correlação
com os scores de gravidade e mortalidade em cuidados intensivos.
Meios
disponíveis tendo em atenção os aspectos económicos
Perante a subida exponencial dos custos de saúde, mesmo
os governos de países ricos têm tendência a racionalizar os custos e distribuir
os orçamentos para a saúde em função da produtividade das unidades e da relação
custo / benefício. Assim uma técnica mais cara e que não demonstra claramente
ter resultados superiores, em sistemas económicos controlados, terá tendência a
ser substituída. A diálise, pelo seu preço elevado é o alvo frequente de
comissões governamentais de avaliação custo / benefício, em países avançados. Cada
vez mais, será difícil justificar o uso de técnicas com uma baixa relação custo
/ benefício, mesmo em países atrasados. No futuro próximo surgirão estudos
controlados comparando os diversos métodos de substituição da função renal em
Cuidados Intensivos.
Experiência
da unidade
A experiência que o staff duma unidade tem com técnicas
substitutivas de função renal é determinante na escolha do método de tratamento
e pode-se dizer que todas as técnicas são boas desde que aplicadas por quem
tenha um profundo conhecimento das suas vantagens e limitações e possa tirar o
melhor partido delas. Assim é preferível usar unicamente as técnicas que estão
rotinadas e das quais se tem um perfeito «know how» em vez de experimentar
técnicas que nas mãos de outros dão excelentes resultados.
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