PAPEL DO LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA nas UNIDADES de CUIDADOS
INTENSIVOS
Ana Bruschy Fonseca
(Laboratório de Microbiologia do Hospital Condes de Castro Guimarães)
email : anabruschy@netc.pt
Sendo a maioria dos produtos estudados no Laboratório oriundos de locais
anatomicamente não estéreis, o significado de muitos exames culturais positivos
ou a decisão de iniciar um AM só deve ser tomada à luz da situação clínica
actual do doente. Não falamos naturalmente de microrganismos que quando
encontrados, são indiscutivelmente patogénicos ( M. tuberculosis, C. trachomatis, N.gonorrhoeae ) e não levantam
dúvidas quanto a uma intervenção imediata. De facto, o diagnóstico laboratorial
de uma doença infecciosa passa pelo conhecimento da história clínica e
epidemiológica do doente, do exame físico, de considerar os microrganismos mais
prováveis que provocam a doença, seleccionar os testes e procedimentos que
podem levar à sua detecção e por fim a sua identificação por exame
microscópico, cultura ou técnicas imunológicas.
Com o crescimento exponencial da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, a
Microbiologia médica é uma especialidade em expansão, e enfrenta actualmente
grandes desafios : o ressurgimento de velhas doenças infecciosas como a Tuberculose nas suas formas
multirresistentes, o aparecimento de novos agentes patogénicos como os Fungos ou os Parasitas, e a necessidade de pesquisar e valorizar bactérias comensais oportunistas que se
tornaram clínicamente relevantes. Os postulados de Robert Koch definidos em
1890, foram reformulados à luz das novas infecções, senão vejamos: uma bactéria
que faz parte da flora comensal pode tornar-se patogénica, nem todas as pessoas
desenvolvem doença infecciosa com sinais evidentes (infecção silenciosa), e
alguns microrganismos não crescem nos meios de cultura habituais dos
laboratórios de rotina (ex: Mycoplasma,
Chlamydia ).
Assim, a microbiologia
clínica actual é complexa e deve ser interpretativa, e não descritiva. E aqui
começam os problemas: se os clínicos assumem que quando recebem uma cultura
positiva, esta por si só já é interpretativa, e já houve uma selecção dos
microrganismos clinicamente relevantes para o diagnóstico da infecção, isso só
pode ser devido uma combinação da avaliação criteriosa da qualidade da amostra,
da acuidade dos sentidos e da experiência quando se observa uma placa de cultura, da destreza na interpretação de um
Gram, e da habilidade em construir um cenário clínico combinando a
microbiologia com a medicina. Tudo isto é executado em relativa obscuridade sem
o impacto e o “glamour” que advém às outras especialidades médicas.
Preocupantes são também as infecções
nosocomiais cada vez mais graves, e o crescimento avassalador a nível
hospitalar das resistências bacterianas
aos AM nos últimos 10 anos, dando um papel preponderante ao laboratório de
Microbiologia na orientação do tratamento, dada a sua sensibilidade
imprevisível aos AM.
A Infecção é uma causa importante
de admissão de doentes em UCI (média – 21%) e também uma das
complicações mais comuns que levam ao prolongamento do internamento nestas
unidades. A incidência de infecção5 nestes doentes à data de admissão varia com o tipo de
Unidade (entre 50% nas unidades médicas e 17% nas unidades de trauma). Em
internamentos de longa duração, cerca de 27% das infecções são adquiridas na
comunidade, 35% adquiridas no Hospital e
37% são adquiridas na UCI 5( entre 2 a 49% consoante o tipo de
unidade, sendo sempre maior nas unidades médicas que nas cirúrgicas). O risco
de infecções nosocomiais mais alto (5 a 10 vezes mais) que noutros serviços do
Hospital resulta de 4 factores major:
·
Factores intrínsecos à
necessidade de cuidados intensivos como doenças de base graves, má nutrição,
extremos de idade, imunossupressão.
·
Utilização de técnicas invasivas
que rompem as barreiras naturais de protecção (entubação endotraqueal,
catéteres intravasculares, algaliação)
·
Reservatórios densos de doentes
colonizados ou infectados que aumentam o risco de infecção cruzada.
·
Utilização maçiça de AM de largo
espectro, criando pressão selectiva, e facilitando a emergência de
microrganismos multiresistentes.
Em relação à origem, e por ordem decrescente são mais frequentes em UCI as infecções respiratórias (pneumonia),
infecções intra-abdominais (peritonite), infecções urinárias e bacteriémia aguda primária5.
Em cuidados intensivos a resposta
rápida para amostras clinicamente relevantes melhora o tratamento dos
doentes, diminui os custos porque estreita o nº de AM utilizados e diminui o
tempo de internamento, e permite a detecção precoce de bactérias com
importância epidemiológica (ex: MRSA, VRE, Acinetobacter spp.).
Não existe
outra área no Laboratório Clínico em que a variabilidade das amostras seja tão
diversa e o processo de selecção, colheita e transporte das mesmas seja tão
importante como no laboratório de Microbiologia. Cabe ao microbiologista
controlar a qualidade dos exames microbiológicos em todo o seu processamento
desde a recolha da amostra até à identificação final, desde a comunicação em
tempo útil de resultados preliminares à elaboração de um relatório
interpretativo.
É essencial para o LM que seja referida a origem do
produto (ex: pús de abcesso abdominal),
e em casos específicos o tipo de infecção suspeita (ex: fungémia, brucelose)
pois esta informação determina o tempo de incubação e os meios de cultura a
utilizar.
A colheita e o transporte das amostras para exame microbiológico é das
áreas mais problemáticas para o microbiologista, porque envolve um trabalho
multidisciplinar de vários profissionais de saúde, desde o “timing” da colheita
até ao transporte ao laboratório e
muitos produtos biológicos não podem esperar mais que 1 a 2 horas para serem
processados. É importante que o laboratório de Microbiologia possa assegurar o
processamento imediato de alguns produtos ao longo das 24 horas, principalmente
oriundos de serviços como as UCI.
Claro exemplo são as amostras de expectoração, que inevitavelmente tendo
sempre alguma contaminação salivar, devem ser transportadas de imediato ao
laboratório de modo a evitar o sobrecrescimento da flora saprófita sobre o
verdadeiro patogénio e a desintegração dos neutrófilos: a recuperação do Streptococcus pneumoniae é prejudicada
em particular, quando este produto é deixado à temperatura ambiente mais que 1
hora.
O laboratório de Microbiologia deve fornecer aos clínicos recomendações
explícitas e bem detalhadas sobre a colheita e o transporte de produtos para
exame microbiológico (ex: Quadro 1).
Quadro 1
Tipo de EXAME |
Meio de TRANSPORTE |
Volume |
Observações |
HEMOCULTURA
|
|||
·
Bacteriológico ( Aerobiose ) O volume de sangue colhido por frasco é
crítico para o crescimento dos microrganismos ·
Micobactérias |
Frasco de
Hemocultura (Adulto) Frasco de
Hemocultura (Pediátrico) Frasco BACTEC |
Adultos
10-15 ml Crianças
(³ 28 dias- <12 anos) 1-5 ml RN
1 ml 5 ml |
Bacteriémia aguda
primária, fungémia, meningite, osteomielite,
artrite, pneumonia Colher no 1º dia e em locais diferentes 2 a 3 amostras de sangue,
preferencialmente no acesso febril. Febre de origem
desconhecida (abcesso oculto, febre tifóide ou brucelose Colher no 1ºdia 2 a 3
hemoculturas. Se negativas às 24 horas, efectuar mais 2 a 3 hemoculturas no início
do acesso febril, até um total de 6. Endocardite infecciosa,
Sépsis 3 hemoculturas no espaço de 1 hora. Se negativo às 24 horas, efectuar
mais 3 hemoculturas no dia seguinte. Doentes com terapêutica
antimicrobiana 2 hemoculturas intervaladas em cada um de 3 dias consecutivos, colhidas
imediatamente antes da toma do antibiótico Apenas em doentes VIH. Uma amostra é suficiente, recomendando-se uma 2ª
colheita, se ao fim de 8 dias a 1ª fôr negativa.Não utilizar sol. iodadas para desinfectar a tampa do frasco |
SECREÇÔES BRÔNQUICAS / EXPECTORAÇÃO |
|||
·
Bacteriológico ·
BK ·
P. carinii ( IF ) ( expectoração induzida, LBA) ·
L. pneumophyla (IF) |
Frasco esterilizado com tampa de rosca sem preservantes. |
2-5 ml 5-10 ml 2-5 ml 1 ml |
Instruir o doente para a colheita de exp. verdadeira de tosse profunda,
de preferência a 1ª da manhã após lavagem da boca com água. Todas as amostras
serão sujeitas a screening de aceitabilidade, pela contagem de cél.
epiteliais escamosas e leucocitos. Enviar de imediato ao
laboratório Para a pesquisa de BK enviar 3
amostras em dias seguidos. Enviar as amostras até 1 hora após a colheita,
após a qual devem ser refrigeradas. Não
enviar amostras de 24 horas. LBA é o produto indicado
na pesquisa de P. carinii, VAP, pneumonia intersticial e TB com baciloscopia
negativa Para todos os exames, é importante fazer a colheita antes do início da antibioterapia |
Esta informação existe actualmente em 4 níveis (quadro 1) dos quais 3 têm
importância nas primeiras 48 horas:
·
Emergência (1 a 2 horas) - nas infecções em UCI, o processo pode ser
insidioso ou ter um início súbito com rápida progressão para sepsis grave, por
isso o diagnóstico rápido ou a exclusão
da infecção é uma emergência.
Resultados preliminares como o GRAM
( LCR, hemocultura, expectoração) ou a pesquisa de bacilos álcool-ácido-resistentes podem ter um impacto positivo na
terapêutica AM empírica inicial dirigida. Na pneumonia bacteriana adquirida na comunidade, a qualidade da
amostra de expectoração (ausência de contaminação salivar, presença de
leucocitos, muco e/ou macrófagos), e o treino e experiência na interpretação do GRAM pelo reconhecimento da
morfologia bacteriana predominante, podem contribuir para um diagnóstico
etiológico presumptivo nas primeiras horas, até ser conhecida a cultura
primária. Já nas pneumonias nosocomiais
ou associadas ao ventilador ( VAP),
o diagnóstico microbiológico é mais difícil e pode incluir outros exames como
hemoculturas, líquido pleural, catéter central ou produtos colhidos por
broncoscopia (PBP, LBA, etc.)
No caso das bacteriémias, é
importante a detecção precoce de agentes
altamente patogénicos ou multiresistentes, que quando presentes, são um sinal de mau prognóstico em UCI : Candida
spp. ( uma única hemocultura positiva é uma indicação formal para
terapêutica antigúngica agressiva ), Pseudomonas spp., Staphylococcus resistentes à meticilina ( MRSA, MRSE), e Enterococcus
resistente à vancomicina (VRE).
Havendo já aparelhos automáticos de monitorização contínua de HEMOCULTURAS
positivas, o laboratório poderia ser capaz, em casos urgentes, de executar
GRAMs e subculturas de hemoculturas positivas ao longo das 24 horas, fornecer
resultados preliminares de exames directos, e iniciar testes de identificação e
sensibilidade aos antimicrobianos em algumas horas. Este esforço ainda não é
possível, porque podendo acontecer fora das horas normais de funcionamento do
Laboratório de Microbiologia, implica um comprometimento significativo na
aprendizagem e supervisão de técnicos que não estão familiarizados ou treinados
com a interpretação do GRAM. Os resultados rápidos são importantes, mas a
rapidez não deve sacrificar a exactidão destes exames, originando terapêuticas
AM inadequadas. De qualquer modo, é importante que um microbiologista esteja
contactável para fornecer informação urgente fora das horas normais de
trabalho.
·
Urgente (24 horas)
A observação da cultura primária às 24 horas confirma o resultado preliminar
do Gram e a presença ou ausência de bactérias, em produtos onde o exame directo
não é conclusivo ou possível (ex: ponta de cateter vascular).
·
Electiva (2 a 5 dias)
Com os métodos actualmente utilizados nos laboratórios de rotina a
identificação final e os testes de susceptibilidade só estão disponíveis às 48
horas após cultura do produto.
Patologia |
EMERGÊNCIA
(1 a 2
horas) |
URGÊNCIA (18 a 24
horas) |
ELECTIVA (2 a 5
dias) |
TARDIA (>
5dias) |
Pneumonia |
Gram
BAAR
Antigenúria
L. pneumophyla
|
Identif. presumptiva da
cultura primária Antigénio P. carinni Beta-lactamase (Haemophylus) PCR M.tuberculosis Antigénios virais
respiratórios |
Identificação definitiva da
espécie TSA |
Cultural BK TSA BK Serologia |
Meningite |
Gram
BAAR Tinta da china (30 min) e Antig. C.neoformans Antig. Caps. bacterianos |
Identif. presumptiva da
cultura primária Beta-lactamase PCR M.tuberculosis |
Identificação definitiva da
espécie TSA Cultura viral |
|
Bacteriémia |
Gram *
Antigénios fúngicos (C. albicans, C. neoformans) |
Identif. presumptiva da
cultura primária |
Identificação definitiva da
espécie TSA |
Cultural BK TSA BK |
Infecção
urinária |
Gram
(sedimento) Esterase leucocitária(?) |
Identif. presumptiva da
cultura primária |
Identificação definitiva da
espécie TSA |
|
Diarreia |
Toxina A C. difficille |
|
Patogéneos intestinais Parasitas |
|
Abcesso |
Gram (mono ou polimicrobiano?) BAAR |
Identif. presumptiva da
cultura primária |
Identificação definitiva da
espécie(s) TSA |
|
·
nos sistemas automatizados de
monitorização contínua, de hemoculturas positivas a partir das 4 horas.
·
3. Identificação de microrganismos :
Reconhecer a flora saprófita, reconhecer a contaminação, identificar
espécies patogénicas que beneficiem o tratamento do doente e identificar
espécies importantes em termos epidemiológicos (MRSA, Acinetobacter, VRE,
Mycobacterium) é outra tarefa dos laboratórios de Microbiologia. As equipas de
controle de infecção são crucialmente dependentes da qualidade de diagnóstico
dos LM a que estão associados, e quando surge um microrganismo patogénico
epidémico no hospital é necessário confiar na sua exactidão, rapidez e
consistência.
Se alguns
microrganismos podem ter uma identificação preliminar em horas na cultura
primária através de testes rápidos ou das suas características morfológicas e
culturais, a identificação rigorosa do género e espécie não deve ser minimizada
e pode requerer mais 24 horas.
Naturalmente, os microbiologistas são fascinados por microrganismos
incomuns, que surgem em doentes ou infecções particulares, mas muitas vezes
desconhecidos ou mal interpretados pelos clínicos (ex: Eikenella corrodens, Rhodococcus equi, Corynebacterium jeikeium,
Cardiobacterium hominis). A importância do isolamento destas estirpes
nalgumas situações deve acompanhar o relatório final.
·
4. Testes de susceptibilidade aos antimicrobianos
Actualmente, esta é uma
área difícil dos laboratórios de Microbiologia, e onde deve ser investido um
Controle de Qualidade rigoroso, interno e externo. Como explicar a um clínico
que o MRSA de ontem isolado na hemocultura, afinal é sensível à meticilina? Ou
pior, relatar uma estirpe com resistências e sensibilidades díspares ou nunca
encontradas? A interpretação dos TSA “in vitro”, requer um conhecimento
exaustivo dos perfis de resistência tanto nativos como adquiridos dos
microrganismos, e aqueles devem ser dados em função do agente encontrado, local
e gravidade da infecção.
Isto é importante
principalmente em infecções graves como bacteriémias (sepsis), meningite ou
pneumonia.
Os problemas major em resistências microbianas nas Unidades de
Cuidados Intensivos constituem um desafio constante para o LM na perícia e
acuidade na detecção destes microrganismos:
·
Staphylococcus
spp.resistentes à meticilina (MRSA e MRSE)
·
Staphylococcus de susceptibilidade intermédia à
vancomicina (VISA, VISE, VRSA, VRSE) !
·
Enterococcus
resistentes à vancomicina (VRE)
·
Mycobacterium
tuberculosis multirresistente (MDRTB)
·
S. pneumoniae
resistente (alto nível) à Penicilina
·
Enterobacteriáceas
produtoras de ESBL (beta-lactamases de espectro
alargado)
·
Gram
negativos não fermentativos multirresistentes (Pseudomonas, Acinetobacter, Xanthomonas,
Burkholderia spp).
·
Candida spp resistente ao fluconazol
Sendo a função isolada mais importante dos LM, a execução e interpretação
dos testes de sensibilidade aos AM, e apesar da maioria dos laboratórios hoje
recorrerem a sistemas automatizados como o bem conhecido sistema VITEK, estes nem sempre conseguem detectar as resistência
atrás referidas, e que hoje são pertinentes no tratamento de infecções
graves (ex: resistências de baixo nível ou indutível aos glicopéptidos –
métodos automáticos-70% falsos positivos S em VRE). Do mesmo modo, os métodos
manuais actualmente utilizados na rotina dos laboratórios de Microbiologia como
os testes de difusão de discos em meio sólido, são pouco sensíveis para
antibióticos de grande peso molecular como a vancomicina e a teicoplanina que
difundem mal e não permitem diferenciar com exactidão zonas S, I e R e
diferenciar os diversos fenótipos de resistência:
·
vanA – E.faecalis, E.faecium
·
vanB – E.faecalis, E.faecium
·
van C1- E.gallinarum
·
van C2- E. casseflavius, E.
flavescens, E. mundii
·
van D – E.faecium
É necessário determinar a CIM
(imperativo no S. pneumoniae !) e
recorrer a métodos alternativos (ex: gradiente de difusão - e teste), pois só aquela é o “gold standard” na deteminação da resistência.
As infecções a cocos Gram positivos
e Fungos (Candida spp) são
actualmente grandes ameaças em UCI, devido à utilização empírica frequente de
AM de largo espectro como as cefalosporinas de 3ª geração, que seleccionam o
crescimento de estirpes endógenas de Staphylococcus e Enterococcus
multirresistentes. Outra ameaça potencial que não pode ser ignorada, é que a utilização
empírica indiscriminada ou inapropriada de
vancomicina para tratamento de MRSA e MRSE, pode favorecer o aparecimento
de estirpes de VISA, VRSA, VISE e VRSE.
·
5. Informação epidemiológica sobre frequência dos microrganismos isolados e
perfis de resistência aos AM
É essencial que o LM, como entidade centralizadora, assegure a divulgação periódica interna dos padrões de
susceptibidade aos AM dos microrganismos isolados, porque cada País,
Hospital e Serviço, e em particular as UCI têm características particulares que
podem ser muito diferentes das casuísticas encontradas na literatura científica
(Quadro 3 e 4).
Quadro 3 - EARSS
(European Antimicrobial Resistance Surveillance System)
Estudo
multicêntrico efectuado em 15 Países europeus em estirpes de S. aureus e S.pneumoniae isolados em hemoculturas e LCR (Período - Janeiro a
Abril 2000 )
PAÍS |
PRSP (%) |
MRSA(%) |
Islândia |
2 |
0 |
Dinamarca |
|
0,2 |
Holanda |
2 |
1 |
Suécia |
3 |
1 |
Finlândia |
4 |
4 |
Alemanha |
2 |
9 |
Luxemburgo |
18 |
13 |
Bélgica |
14 |
22 |
Reino Unido |
8 |
34 |
Espanha |
34 |
36 |
Irlanda |
19 |
39 |
Itália |
14 |
41 |
Portugal |
14 |
49 |
Noruega |
0,3 |
|
Grécia |
59 |
53 |
PRSP – Streptococcus pneumoniae resistente à Penicilina (intermédio e alta
resistência)
MRSA – Staphylococcus aureus meticilino-resistente
Quadro 4 –
Suscebtibilidade aos AM de Bacilos Gram-negativos aeróbios isolados em UCI portuguesas
Baseado no estudo multicêntrico efectuado em UCI de 5 Países europeus
(Portugal, Espanha, França, Bélgica, Suécia) em estirpes de bacilos
Gram-negativo isoladas em UCI entre Junho 1994 e Junho 1995. 2
PORTUGAL (% resistência) |
Gent |
Pip |
Pip+Taz |
Ceftz |
Ceftriax |
Imip |
Cipro |
E. coli |
0 |
43 |
11 |
0 |
2 |
0 |
11 |
Klebsiella
spp. |
1 |
54 |
28 |
1 |
6 |
1 |
7 |
P.
aeruginosa |
21 |
22 |
20 |
16 |
64 |
21 |
37 |
Enterobacter |
3 |
42 |
43 |
48 |
42 |
3 |
21 |
Acinetobacter |
5 |
85 |
75 |
81 |
91 |
5 |
75 |
Serratia |
3 |
13 |
48 |
16 |
13 |
3 |
35 |
A resolução de
alguns problemas que existem hoje em dia, como a falta de informação clínica
nos pedidos, a má qualidade das amostras, a incerteza quanto ao significado
patogénico das bactérias isoladas, a interpretação errada dos relatórios
microbiológicos ou o atraso considerável entre a recepção da amostra e a
produção de informação útil ao tratamento do doente passam por uma estreita
comunicação entre o LM e os serviços
clínicos, seja ela pessoal, telefónica ou outra.Em Portugal, a microbiologia
ainda tem um papel essencialmente laboratorial, e os microbiologistas são
criticados por raramente visitarem as enfermarias e terem pouca actividade
clínica à cabeceira do doente.
Que futuro podemos pensar para os laboratórios de Microbiologia
Mesmo que o Gram seja por vezes útil, actualmente o diagnóstico
microbiológico das infecções é confirmatório, porque uma decisão clínica já foi
tomada. geralmente 48 horas antes da identificação final do microrganismo responsável
e da susceptibilidade aos AM ser conhecida. Com a tecnologia actual, que data
do século passado, ainda nem é possível saber com certeza antes de 18 a 24
horas se uma amostra contém ou não bactérias! A importância disto é que, de
facto cerca de 80 % das amostras biológicas que chegam ao laboratório são
estéreis e esta falta de resposta imediata tem como consequência o tratamento
empírico do doente, com AM de largo espectro mesmo que ele não tenha infecção.
O progresso recente da biologia molecular poderia a médio prazo tornar possível
a utilização de “primers” universais em produtos naturalmente estéreis (sangue,
LCR, líquidos serosas) e dizer numa ou duas horas se aqueles produtos contém ou
não bactérias. Claro que para os outros produtos provenientes de locais não
estéreis, isto nunca será possível (expectoração, exsudados de ferida). Mas
ainda assim, não nos diria qual a bactéria implicada no processo infeccioso, o
seu valor real seria o de exclusão da
infecção e não etiológico .
Actualmente, é a susceptibilidade e não a resistência que é testada e
fornecida aos clínicos, e este processo só está disponível pelo menos 48 horas
após o início do tratamento. Além disso, não há ainda um consenso universal,
nem sequer europeu sobre os “breakpoints” das CIM na leitura interpretativa dos
AM “in vitro”, e é necessário utilizar em certos casos com vimos, mais que uma
metodologia para um resultado exacto ser encontrado. Existindo já alguns testes
de amplificação do DNA que detectam genes de resistência (mecA nos MRSA), esta seria a aproximação ideal : detectar os genes
de resistência directamente da amostra! No entanto, quem conhece os mecanismos
de resistência das bactérias aos AM, sabe que eles são complexos, heterogénos e
múltiplos (ex: a resistência aos Betalactâmicos pode ser devida a diminuição da
absorção da droga, efluxo activo, produção de b-lactamases ou alteração dos alvos). Já a resistência dos Gram positivos à
meticilina ou vancomicina é devida à expressão fenotípica de poucos genes e
a detecção do gene mecA, vanA, B ou C por
PCR poderiam ser os “gold standart” na detecção da resistência dos Staphylococcus à meticilina, e dos Enterococcus à vancomicina,
respectivamente. A introdução destas tecnologias na rotina dos laboratórios de
Microbiologia traria obviamente benefícios extraordinários ao tratamento dos
doentes e na prevenção da emergência de resistências. Se as bactérias fossem
identificadas rápidamente bem como o seu genotipo de resistência, seriam
utililzados AM de espectro dirigido e os de largo espectro apenas seriam
utilizados em microrganismos mutiresistentes.
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