PAPEL DO LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA nas UNIDADES de CUIDADOS INTENSIVOS

 

Ana Bruschy Fonseca

(Laboratório de Microbiologia do Hospital Condes de Castro Guimarães)

email : anabruschy@netc.pt

 

Introdução

 

Se quisermos saber o que esperam os Clínicos do Laboratório de Microbiologia (LM) , em primeira análise poderia ser a resposta à simples pergunta “qual ou quais os microrganismos responsáveis pela situação clínica do doente?”, mas esta resposta é  difícil, porque em microbiologia ainda não há respostas exactas e rápidas como em bioquímica ou hematologia: se um valor de glicémia de 400mg/dl é claro para muitos clínicos, um exsudado purulento de ferida superficial contendo Staphylococcus epidermidis só é significativo nalgumas circunstâncias e a sensibilidade aos antimicrobianos (AM) deve ser interpretada com cautela.

Sendo a maioria dos produtos estudados no Laboratório oriundos de locais anatomicamente não estéreis, o significado de muitos exames culturais positivos ou a decisão de iniciar um AM só deve ser tomada à luz da situação clínica actual do doente. Não falamos naturalmente de microrganismos que quando encontrados, são indiscutivelmente patogénicos ( M. tuberculosis, C. trachomatis, N.gonorrhoeae ) e não levantam dúvidas quanto a uma intervenção imediata. De facto, o diagnóstico laboratorial de uma doença infecciosa passa pelo conhecimento da história clínica e epidemiológica do doente, do exame físico, de considerar os microrganismos mais prováveis que provocam a doença, seleccionar os testes e procedimentos que podem levar à sua detecção e por fim a sua identificação por exame microscópico, cultura ou técnicas imunológicas.

Com o crescimento exponencial da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, a Microbiologia médica é uma especialidade em expansão, e enfrenta actualmente grandes desafios : o ressurgimento de velhas doenças infecciosas como a Tuberculose nas suas formas multirresistentes, o aparecimento de novos agentes patogénicos como os Fungos ou os Parasitas, e a necessidade de pesquisar e valorizar bactérias comensais oportunistas que se tornaram clínicamente relevantes. Os postulados de Robert Koch definidos em 1890, foram reformulados à luz das novas infecções, senão vejamos: uma bactéria que faz parte da flora comensal pode tornar-se patogénica, nem todas as pessoas desenvolvem doença infecciosa com sinais evidentes (infecção silenciosa), e alguns microrganismos não crescem nos meios de cultura habituais dos laboratórios de rotina (ex: Mycoplasma, Chlamydia ).

Assim, a microbiologia clínica actual é complexa e deve ser interpretativa, e não descritiva. E aqui começam os problemas: se os clínicos assumem que quando recebem uma cultura positiva, esta por si só já é interpretativa, e já houve uma selecção dos microrganismos clinicamente relevantes para o diagnóstico da infecção, isso só pode ser devido uma combinação da avaliação criteriosa da qualidade da amostra, da acuidade dos sentidos e da experiência quando se  observa uma placa de cultura, da destreza na interpretação de um Gram, e da habilidade em construir um cenário clínico combinando a microbiologia com a medicina. Tudo isto é executado em relativa obscuridade sem o impacto e o “glamour” que advém às outras especialidades médicas.

Preocupantes são também as infecções nosocomiais cada vez mais graves, e o crescimento avassalador a nível hospitalar das resistências bacterianas aos AM nos últimos 10 anos, dando um papel preponderante ao laboratório de Microbiologia na orientação do tratamento, dada a sua sensibilidade imprevisível aos AM.

 

Infecções em Cuidados Intensivos

 

A Infecção é uma  causa  importante  de admissão de doentes em UCI (média – 21%) e também uma das complicações mais comuns que levam ao prolongamento do internamento nestas unidades. A incidência de infecção5 nestes doentes à data de admissão varia com o tipo de Unidade (entre 50% nas unidades médicas e 17% nas unidades de trauma). Em internamentos de longa duração, cerca de 27% das infecções são adquiridas na comunidade, 35% adquiridas no Hospital e 37% são adquiridas na UCI 5( entre 2 a 49% consoante o tipo de unidade, sendo sempre maior nas unidades médicas que nas cirúrgicas). O risco de infecções nosocomiais mais alto (5 a 10 vezes mais) que noutros serviços do Hospital resulta de 4 factores major:

·         Factores intrínsecos à necessidade de cuidados intensivos como doenças de base graves, má nutrição, extremos de idade, imunossupressão.

·         Utilização de técnicas invasivas que rompem as barreiras naturais de protecção (entubação endotraqueal, catéteres intravasculares, algaliação)

·         Reservatórios densos de doentes colonizados ou infectados que aumentam o risco de infecção cruzada.

·         Utilização maçiça de AM de largo espectro, criando pressão selectiva, e facilitando a emergência de microrganismos multiresistentes.

Em relação à origem, e por ordem decrescente são mais frequentes em UCI as infecções respiratórias (pneumonia), infecções intra-abdominais (peritonite), infecções urinárias  e bacteriémia aguda primária5.

Em cuidados intensivos a resposta rápida para amostras clinicamente relevantes melhora o tratamento dos doentes, diminui os custos porque estreita o nº de AM utilizados e diminui o tempo de internamento, e permite a detecção precoce de bactérias com importância epidemiológica (ex: MRSA, VRE, Acinetobacter spp.).

 

O que podemos esperar actualmente do LM no diagnóstico das infecções em doentes críticos?

 

1. Normas de colheita de amostras biológicas : o quê, quando e como?

 

Não existe outra área no Laboratório Clínico em que a variabilidade das amostras seja tão diversa e o processo de selecção, colheita e transporte das mesmas seja tão importante como no laboratório de Microbiologia. Cabe ao microbiologista controlar a qualidade dos exames microbiológicos em todo o seu processamento desde a recolha da amostra até à identificação final, desde a comunicação em tempo útil de resultados preliminares à elaboração de um relatório interpretativo.

É essencial para o LM que seja referida a origem do produto (ex: pús de abcesso abdominal), e em casos específicos o tipo de infecção suspeita (ex: fungémia, brucelose) pois esta informação determina o tempo de incubação e os meios de cultura a utilizar.

A colheita e o transporte das amostras para exame microbiológico é das áreas mais problemáticas para o microbiologista, porque envolve um trabalho multidisciplinar de vários profissionais de saúde, desde o “timing” da colheita até ao transporte ao laboratório  e muitos produtos biológicos não podem esperar mais que 1 a 2 horas para serem processados. É importante que o laboratório de Microbiologia possa assegurar o processamento imediato de alguns produtos ao longo das 24 horas, principalmente oriundos de serviços como as UCI.

Claro exemplo são as amostras de expectoração, que inevitavelmente tendo sempre alguma contaminação salivar, devem ser transportadas de imediato ao laboratório de modo a evitar o sobrecrescimento da flora saprófita sobre o verdadeiro patogénio e a desintegração dos neutrófilos: a recuperação do Streptococcus pneumoniae é prejudicada em particular, quando este produto é deixado à temperatura ambiente mais que 1 hora.

O laboratório de Microbiologia deve fornecer aos clínicos recomendações explícitas e bem detalhadas sobre a colheita e o transporte de produtos para exame microbiológico (ex: Quadro 1).

 

Quadro 1

Tipo de EXAME

Meio de TRANSPORTE

Volume

Observações

HEMOCULTURA

 

 

 

 

 

 

 

·          Bacteriológico

 ( Aerobiose )

 

 

O volume de sangue colhido por frasco é crítico para o crescimento dos microrganismos

 

 

 

 

 

·          Micobactérias

 

 

 

 

 

 

Frasco de Hemocultura

(Adulto)

 

 

 

 

 

 

 

Frasco de Hemocultura

(Pediátrico)

 

 

 

Frasco BACTEC

 

 

 

 

 

Adultos

10-15 ml

 

 

 

 

 

Crianças

(³ 28 dias-

<12 anos)

1-5 ml

 

RN

1 ml

 

 

5 ml

 

Bacteriémia aguda primária, fungémia, meningite, osteomielite,  artrite,  pneumonia

Colher no 1º dia e em locais diferentes 2 a 3 amostras de sangue, preferencialmente no acesso febril.

Febre de origem desconhecida (abcesso oculto, febre tifóide ou brucelose

Colher no 1ºdia  2 a 3 hemoculturas. Se negativas às 24 horas, efectuar mais 2 a 3 hemoculturas no início do acesso febril, até um total de 6.

Endocardite infecciosa, Sépsis

3 hemoculturas no espaço de 1 hora. Se negativo às 24 horas, efectuar mais 3 hemoculturas no dia seguinte.

Doentes com terapêutica antimicrobiana

2 hemoculturas intervaladas em cada um de 3 dias consecutivos, colhidas imediatamente antes da toma do antibiótico

 

 

Apenas em doentes VIH. Uma amostra é suficiente, recomendando-se uma 2ª colheita, se ao fim de 8 dias a 1ª fôr negativa.Não utilizar sol. iodadas para desinfectar a tampa do frasco

SECREÇÔES BRÔNQUICAS / EXPECTORAÇÃO

 

·          Bacteriológico

 

 

 

 

 

 

 

·          BK

·          P. carinii ( IF )

( expectoração induzida, LBA)

 

·          L. pneumophyla (IF)

 

 

 

 

 

Frasco esterilizado com tampa de rosca sem preservantes.

 

 

2-5 ml

 

 

 

 

 

 

 

5-10 ml

2-5 ml

 

 

 

1 ml

 

Instruir o doente para a colheita de exp. verdadeira de tosse profunda, de preferência a 1ª da manhã após lavagem da boca com água. Todas as amostras serão sujeitas a screening de aceitabilidade, pela contagem de cél. epiteliais escamosas e leucocitos.

Enviar de imediato ao laboratório

 

Para a pesquisa de BK enviar 3 amostras em dias seguidos. Enviar as amostras até 1 hora após a colheita, após a qual devem ser refrigeradas. Não enviar amostras de 24 horas.

LBA é o produto indicado na pesquisa de P. carinii, VAP, pneumonia intersticial e TB com baciloscopia negativa

Para todos os exames, é importante fazer a colheita antes do início da antibioterapia

 

 

A colheita de produtos biológicos nas UCI apresenta menos problemas de amostragem, porque se utilizam na colheita técnicas invasivas, e não é tão importante como nas enfermarias ou em ambulatório a colaboração activa do doente (ex: produtos colhidos por broncoscopia, colheita cirúrgica).

 

2. Informação que permita tomar uma decisão clínica

 

Esta informação existe actualmente em 4 níveis (quadro 1) dos quais 3 têm importância nas primeiras 48 horas:

 

·         Emergência (1 a 2 horas) -  nas infecções em UCI, o processo pode ser insidioso ou ter um início súbito com rápida progressão para sepsis grave, por isso o diagnóstico rápido ou a exclusão da infecção é uma emergência.

Resultados preliminares como o GRAM ( LCR, hemocultura, expectoração) ou a pesquisa de bacilos álcool-ácido-resistentes podem ter um impacto positivo na terapêutica AM empírica inicial dirigida. Na pneumonia bacteriana adquirida na comunidade, a qualidade da amostra de expectoração (ausência de contaminação salivar, presença de leucocitos, muco e/ou macrófagos), e o treino e  experiência na interpretação do GRAM pelo reconhecimento da morfologia bacteriana predominante, podem contribuir para um diagnóstico etiológico presumptivo nas primeiras horas, até ser conhecida a cultura primária. Já nas pneumonias nosocomiais ou associadas ao ventilador ( VAP), o diagnóstico microbiológico é mais difícil e pode incluir outros exames como hemoculturas, líquido pleural, catéter central ou produtos colhidos por broncoscopia (PBP, LBA, etc.)

No caso das bacteriémias, é importante a detecção precoce de agentes altamente patogénicos ou multiresistentes, que quando presentes, são um sinal de mau prognóstico em UCI : Candida spp. ( uma única hemocultura positiva é uma indicação formal para terapêutica antigúngica agressiva ), Pseudomonas spp., Staphylococcus resistentes à meticilina ( MRSA, MRSE), e Enterococcus resistente à vancomicina (VRE).

Havendo já aparelhos automáticos de monitorização contínua de HEMOCULTURAS positivas, o laboratório poderia ser capaz, em casos urgentes, de executar GRAMs e subculturas de hemoculturas positivas ao longo das 24 horas, fornecer resultados preliminares de exames directos, e iniciar testes de identificação e sensibilidade aos antimicrobianos em algumas horas. Este esforço ainda não é possível, porque podendo acontecer fora das horas normais de funcionamento do Laboratório de Microbiologia, implica um comprometimento significativo na aprendizagem e supervisão de técnicos que não estão familiarizados ou treinados com a interpretação do GRAM. Os resultados rápidos são importantes, mas a rapidez não deve sacrificar a exactidão destes exames, originando terapêuticas AM inadequadas. De qualquer modo, é importante que um microbiologista esteja contactável para fornecer informação urgente fora das horas normais de trabalho.

 

·         Urgente (24 horas)

A observação da cultura primária às 24 horas confirma o resultado preliminar do Gram e a presença ou ausência de bactérias, em produtos onde o exame directo não é conclusivo ou possível (ex: ponta de cateter vascular).

 

·         Electiva (2 a 5 dias)

Com os métodos actualmente utilizados nos laboratórios de rotina a identificação final e os testes de susceptibilidade só estão disponíveis às 48 horas após cultura do produto.

Patologia

EMERGÊNCIA

(1 a 2 horas)

URGÊNCIA

(18 a 24 horas)

ELECTIVA

(2 a 5 dias)

TARDIA

(> 5dias)

 

 

Pneumonia

 

Gram
BAAR

 

Antigenúria

 L. pneumophyla

 

 

Identif. presumptiva da cultura primária

Antigénio P. carinni

Beta-lactamase (Haemophylus)

PCR M.tuberculosis

Antigénios virais respiratórios

 

Identificação definitiva da espécie

 

TSA

 

Cultural BK

 

TSA BK

 

Serologia

 

 

Meningite

 

Gram

BAAR

Tinta da china (30 min) e

Antig. C.neoformans

Antig. Caps. bacterianos

 

Identif. presumptiva da cultura primária

Beta-lactamase

PCR M.tuberculosis

 

 

Identificação definitiva da espécie

TSA

Cultura viral

 

 

 

Bacteriémia

 

Gram *

Antigénios fúngicos

(C. albicans, C. neoformans)

 

Identif. presumptiva da cultura primária

 

 

Identificação definitiva da espécie

TSA

 

Cultural BK

 

TSA BK

 

 

Infecção urinária

 

Gram (sedimento)

Esterase leucocitária(?)

 

Identif. presumptiva da cultura primária

Identificação definitiva da espécie

TSA

 

 

Diarreia

 

 

Toxina A C. difficille

 

 

Patogéneos intestinais

Parasitas

 

 

Abcesso

Gram (mono ou polimicrobiano?)

BAAR

 

 

Identif. presumptiva da cultura primária

Identificação definitiva da espécie(s)

TSA

 

·          nos sistemas automatizados de monitorização contínua, de hemoculturas positivas a partir das 4 horas.

 

·         3. Identificação de microrganismos :

 

Reconhecer a flora saprófita, reconhecer a contaminação, identificar espécies patogénicas que beneficiem o tratamento do doente e identificar espécies importantes em termos epidemiológicos (MRSA, Acinetobacter, VRE, Mycobacterium) é outra tarefa dos laboratórios de Microbiologia. As equipas de controle de infecção são crucialmente dependentes da qualidade de diagnóstico dos LM a que estão associados, e quando surge um microrganismo patogénico epidémico no hospital é necessário confiar na sua exactidão, rapidez e consistência.

 

Se alguns microrganismos podem ter uma identificação preliminar em horas na cultura primária através de testes rápidos ou das suas características morfológicas e culturais, a identificação rigorosa do género e espécie não deve ser minimizada e pode requerer mais 24 horas.

 

Naturalmente, os microbiologistas são fascinados por microrganismos incomuns, que surgem em doentes ou infecções particulares, mas muitas vezes desconhecidos ou mal interpretados pelos clínicos (ex: Eikenella corrodens, Rhodococcus equi, Corynebacterium jeikeium, Cardiobacterium hominis). A importância do isolamento destas estirpes nalgumas situações deve acompanhar o relatório final.       

  

·         4. Testes de susceptibilidade aos antimicrobianos

 

Actualmente, esta é uma área difícil dos laboratórios de Microbiologia, e onde deve ser investido um Controle de Qualidade rigoroso, interno e externo. Como explicar a um clínico que o MRSA de ontem isolado na hemocultura, afinal é sensível à meticilina? Ou pior, relatar uma estirpe com resistências e sensibilidades díspares ou nunca encontradas? A interpretação dos TSA “in vitro”, requer um conhecimento exaustivo dos perfis de resistência tanto nativos como adquiridos dos microrganismos, e aqueles devem ser dados em função do agente encontrado, local e gravidade da infecção.

Isto é importante principalmente em infecções graves como bacteriémias (sepsis), meningite ou pneumonia.

 

Os problemas major em resistências microbianas nas Unidades de Cuidados Intensivos constituem um desafio constante para o LM na perícia e acuidade na detecção destes microrganismos:

 

·         Staphylococcus spp.resistentes à meticilina (MRSA e MRSE)

·         Staphylococcus de susceptibilidade intermédia à vancomicina (VISA, VISE, VRSA, VRSE) !

·         Enterococcus resistentes à vancomicina (VRE)

·         Mycobacterium tuberculosis multirresistente (MDRTB)

·         S. pneumoniae resistente (alto nível) à Penicilina

·         Enterobacteriáceas produtoras de ESBL (beta-lactamases de espectro alargado)

·         Gram negativos não fermentativos multirresistentes (Pseudomonas, Acinetobacter, Xanthomonas, Burkholderia spp).

·         Candida spp resistente ao fluconazol

 

Sendo a função isolada mais importante dos LM, a execução e interpretação dos testes de sensibilidade aos AM, e apesar da maioria dos laboratórios hoje recorrerem a sistemas automatizados como o bem conhecido sistema VITEK, estes nem sempre conseguem detectar as resistência atrás referidas, e que hoje são pertinentes no tratamento de infecções graves (ex: resistências de baixo nível ou indutível aos glicopéptidos – métodos automáticos-70% falsos positivos S em VRE). Do mesmo modo, os métodos manuais actualmente utilizados na rotina dos laboratórios de Microbiologia como os testes de difusão de discos em meio sólido, são pouco sensíveis para antibióticos de grande peso molecular como a vancomicina e a teicoplanina que difundem mal e não permitem diferenciar com exactidão zonas S, I e R e diferenciar os diversos fenótipos de resistência:

·         vanA – E.faecalis, E.faecium

·         vanB – E.faecalis, E.faecium

·         van C1- E.gallinarum

·         van C2- E. casseflavius, E. flavescens, E. mundii

·         van D – E.faecium

É necessário determinar a CIM (imperativo no S. pneumoniae !) e recorrer a métodos alternativos (ex: gradiente de difusão - e teste), pois só aquela é o “gold standard” na deteminação da resistência.

As infecções a cocos Gram positivos e Fungos (Candida spp) são actualmente grandes ameaças em UCI, devido à utilização empírica frequente de AM de largo espectro como as cefalosporinas de 3ª geração, que seleccionam o crescimento de estirpes endógenas de Staphylococcus e Enterococcus multirresistentes. Outra ameaça potencial que não pode ser ignorada, é que a utilização empírica indiscriminada ou inapropriada de vancomicina para tratamento de MRSA e MRSE, pode favorecer o aparecimento de estirpes de VISA, VRSA, VISE e VRSE.

 

·         5. Informação epidemiológica sobre frequência dos microrganismos isolados e perfis de resistência aos AM

 

É essencial que o LM, como entidade centralizadora, assegure a divulgação periódica interna dos padrões de susceptibidade aos AM dos microrganismos isolados, porque cada País, Hospital e Serviço, e em particular as UCI têm características particulares que podem ser muito diferentes das casuísticas encontradas na literatura científica (Quadro 3 e 4).

Quadro 3 - EARSS (European Antimicrobial Resistance Surveillance System)

Estudo multicêntrico efectuado em 15 Países europeus em estirpes de S. aureus e S.pneumoniae isolados em hemoculturas e LCR (Período - Janeiro a Abril 2000 )

PAÍS

PRSP (%)

MRSA(%)

Islândia

2

0

Dinamarca

 

0,2

Holanda

2

1

Suécia

3

1

Finlândia

4

4

Alemanha

2

9

Luxemburgo

18

13

Bélgica

14

22

Reino Unido

8

34

Espanha

34

36

Irlanda

19

39

Itália

14

41

Portugal

14

49

Noruega

0,3

 

Grécia

59

53

 

PRSP – Streptococcus pneumoniae resistente à Penicilina (intermédio e alta resistência)

MRSA – Staphylococcus aureus meticilino-resistente

Quadro 4 – Suscebtibilidade aos AM de Bacilos Gram-negativos aeróbios isolados em UCI portuguesas

Baseado no estudo multicêntrico efectuado em UCI de 5 Países europeus (Portugal, Espanha, França, Bélgica, Suécia) em estirpes de bacilos Gram-negativo isoladas em UCI entre Junho 1994 e Junho 1995. 2

PORTUGAL

(% resistência)

Gent

Pip

Pip+Taz

Ceftz

Ceftriax

Imip

Cipro

E. coli

0

43

11

0

2

0

11

Klebsiella spp.

1

54

28

1

6

1

7

P. aeruginosa

21

22

20

16

64

21

37

Enterobacter

3

42

43

48

42

3

21

Acinetobacter

5

85

75

81

91

5

75

Serratia

3

13

48

16

13

3

35

 

 

·         6. Melhorar a comunicação entre o Clínico e o Microbiologista

 

A resolução de alguns problemas que existem hoje em dia, como a falta de informação clínica nos pedidos, a má qualidade das amostras, a incerteza quanto ao significado patogénico das bactérias isoladas, a interpretação errada dos relatórios microbiológicos ou o atraso considerável entre a recepção da amostra e a produção de informação útil ao tratamento do doente passam por uma estreita comunicação  entre o LM e os serviços clínicos, seja ela pessoal, telefónica ou outra.Em Portugal, a microbiologia ainda tem um papel essencialmente laboratorial, e os microbiologistas são criticados por raramente visitarem as enfermarias e terem pouca actividade clínica à cabeceira do doente.

Além das comunicações telefónicas relacionadas com o tratamento das infecções e por vezes aconselhamento sobre medidas de controle de infecção, também neste campo a microbiologia médica deve crescer: as visitas são importantes para acrescentar informação clínica esquecida, acompanhar a resposta ao tratamento, intervir sobre  exames microbiológicos necessários ou inúteis e propôr ou desaconselhar terapêuticas antimicrobianas. Isto é especialmente importante em serviços como as UCI, onde a consultadoria microbiológica deve ser diária.

 

Que futuro podemos pensar para os laboratórios de Microbiologia

 

Mesmo que o Gram seja por vezes útil, actualmente o diagnóstico microbiológico das infecções é confirmatório, porque uma decisão clínica já foi tomada. geralmente 48 horas antes da identificação final do microrganismo responsável e da susceptibilidade aos AM ser conhecida. Com a tecnologia actual, que data do século passado, ainda nem é possível saber com certeza antes de 18 a 24 horas se uma amostra contém ou não bactérias! A importância disto é que, de facto cerca de 80 % das amostras biológicas que chegam ao laboratório são estéreis e esta falta de resposta imediata tem como consequência o tratamento empírico do doente, com AM de largo espectro mesmo que ele não tenha infecção. O progresso recente da biologia molecular poderia a médio prazo tornar possível a utilização de “primers” universais em produtos naturalmente estéreis (sangue, LCR, líquidos serosas) e dizer numa ou duas horas se aqueles produtos contém ou não bactérias. Claro que para os outros produtos provenientes de locais não estéreis, isto nunca será possível (expectoração, exsudados de ferida). Mas ainda assim, não nos diria qual a bactéria implicada no processo infeccioso, o seu valor real seria o de exclusão da infecção e não etiológico .

Actualmente, é a susceptibilidade e não a resistência que é testada e fornecida aos clínicos, e este processo só está disponível pelo menos 48 horas após o início do tratamento. Além disso, não há ainda um consenso universal, nem sequer europeu sobre os “breakpoints” das CIM na leitura interpretativa dos AM “in vitro”, e é necessário utilizar em certos casos com vimos, mais que uma metodologia para um resultado exacto ser encontrado. Existindo já alguns testes de amplificação do DNA que detectam genes de resistência (mecA nos MRSA), esta seria a aproximação ideal : detectar os genes de resistência directamente da amostra! No entanto, quem conhece os mecanismos de resistência das bactérias aos AM, sabe que eles são complexos, heterogénos e múltiplos (ex: a resistência aos Betalactâmicos pode ser devida a diminuição da absorção da droga, efluxo activo, produção de b-lactamases ou alteração dos alvos). Já a resistência dos Gram positivos à meticilina ou vancomicina é devida à expressão fenotípica de poucos genes e a  detecção do gene mecA, vanA, B ou C por PCR poderiam ser os “gold standart” na detecção da resistência dos Staphylococcus à meticilina, e dos Enterococcus à vancomicina, respectivamente. A introdução destas tecnologias na rotina dos laboratórios de Microbiologia traria obviamente benefícios extraordinários ao tratamento dos doentes e na prevenção da emergência de resistências. Se as bactérias fossem identificadas rápidamente bem como o seu genotipo de resistência, seriam utililzados AM de espectro dirigido e os de largo espectro apenas seriam utilizados em microrganismos mutiresistentes.

 

 

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