A AVALIAÇÃO DA CARGA DE TRABALHO DE ENFERMAGEM COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO
Rui Moreno
Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente
Hospital de St. António dos Capuchos
Lisboa
PORTUGAL
A Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), é o Serviço do Hospital que apresenta um maior consumo por doente internado de mão de obra qualificada: médicos e enfermeiros.
Em relação aos médicos não existem publicados sistemas objectivos para a avaliação do número de médicos necessários numa dada UCI ou para a quantificação da sua actividade, existindo apenas dados sobre a importância da existência nas UCIs de intensivistas qualificados [1,2].
No que diz respeito aos enfermeiros, a situação é manifestamente diferente. Após a publicação nos anos 70 do Therapeutic Intervention Scoring System [3], vários sistemas foram descritos para a quantificação da carga de trabalho de enfermagem efectuada na UCI. Os exemplos mais recentes nesta área são o TISS simplificado (TISS-28) [4] e o Nine Equivalents of Nursing Manpower Use score (NEMS) [5].
Utilizados hoje na maioria das UCIs, os índices de avaliação de carga de trabalho de enfermagem têm sido frequentemente utilizados como instrumentos de gestão.
É o objectivo desta revisão apresentar as principais utilizações destes instrumentos no processo de planeamento e avaliação das UCIs.
Os Índices de quantificação da carga de trabalho de enfermagem são, na actualidade, um dos instrumentos fundamentais no planeamento e avaliação das UCIs.
Foram utilizados no passado para fins tão diversos como a avaliação da gravidade da doença [3], a avaliação da utilização das Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs), [6], a correcção do número de camas de Medicina Intensiva disponíveis [7,8], e a definição dos níveis de cuidados prestados [9-11].
O conceito
de níveis de cuidados foi proposto inicialmente no início dos anos 60 por
Lockward e colaboradores [12]. A operacionalização deste conceito foi efectuada
posteriormente pelos membros de uma conferência de consenso, em Bethesda, em
1983 [13]. De acordo com esta classificação, as UCIs deveriam
ser classificadas em quatro grupos:
-
intensive care;
-
high care;
-
medium care;
-
low care;
Dois critérios fundamentais nesta classificação:
-
recursos
tecnológicos (tipo e frequência da utilização de intervenções de monitorização
e de terapêutica);
-
recursos
humanos (treino e cobertura médica e relação doente-enfermeiro).
Nos anos 80,
um grupo de trabalho a Sociedade Europeia de Cuidados Intensivos considerou
esta classificação muito insuficiente, propondo uma nova classificação baseada
exclusivamente no número de doentes tratado por cada enfermeiro:
-
nível
I, com uma relação doente-enfermeiro de 4:1;
-
nível
II, com uma relação doente-enfermeiro de 2.5:1;
-
nível
III, com uma relação doente-enfermeiro de 1:1;
Testada na
Holanda no início dos anos 90 [14], esta metodologia foi posteriormente validada num
grande estudo multicêntrico em 12 áreas da Europa, o EURICUS I [11].
Duas medidas podem ser assim calculadas:
a) o nível de cuidados planeado, de acordo
com o número de enfermeiros e do número de camas, de acordo com as definições
de Bethesda [13]. O cálculo do número de camas assistido por um
enfermeiro pode ser facilmente calculado de acordo com a fórmula:
aonde:
-
A: número de turnos de enfermagem num dia (geralmente 3);
-
B: número de camas na UCI;
-
C: número de dias da semana em que a UCI trabalha (geralmente 7);
-
D: taxa de ocupação (geralmente utilizada 85%);
-
E: trabalho extra necessário para férias, baixas, etc. (geralmente utilizada
25%, isto é, 1.25);
-
F: número de enfermeiros na UCI;
-
G: número de dias de trabalho em cada semana (geralmente 5);
b)
o nível de cuidados utilizado:
Calculado através da divisão do número de pontos TISS (ou NEMS) equivalente às
actividades de um enfermeiro por turno (46) pelo valor médio do TISS (ou NEMS)
diário da UCI.
Calculadas
estas medidas, o nível de cuidados planeado para cada UCI pode ser facilmente comparado
com o nível de cuidados a que cada UCI opera.
Dos
resultados, destaca-se que apenas uma pequena minoria das UCIs (24%) funcionava
efectivamente no nível para que foi planeada. Na sua maioria (73%) o nível de
funcionamento foi inferior ao nível planeado e apenas numa pequena proporção
(3%) o nível de funcionamento foi superior ao nível planeado (tabela 1) [15].
Tabela 1. Nível de cuidados planeado versus
nível de cuidados utilizado nas UCIs do estudo EURICUS-I. Adaptado de Moreno e
Miranda [15].
|
Nível de cuidados utilizado |
Global |
||
|
I |
II |
III |
|
Nível de
cuidados planeado |
|
|
|
|
I |
3 |
3 |
- |
6 |
II |
6 |
16 |
- |
22 |
III |
14 |
45 |
2 |
61 |
|
|
|
|
|
Global |
23 |
64 |
2 |
89 |
Estes
resultados explicam-se pela existência simultânea dentro de cada UCI, em cada
dia de funcionamento, de diferentes números de doentes em cada nível de
cuidados. Dado a maioria das UCIs terem sido planeadas para funcionar a um
nível elevado de cuidados, a discrepância entre este valor e o valor médio
efectivamente utilizado é responsável por este grande desperdícios de recursos.
Resulta também a necessidade de se planearem as UCIs em função do nível médio
de cuidados que se pretendem prestar e não em função do nível máximo de
cuidados que podem eventualmente ser prestados.
A avaliação
da eficiência do uso de recursos de enfermagem utilizada por cada unidade pode
ser avaliada pela razão da utilização do trabalho (work
utilisation ratio, WUR) [10].
O WUR é calculado com base no número de
enfermeiros disponíveis na UCI, na quantidade de trabalho que um enfermeiro
pode desenvolver em cada turno (o equivalente a 46 pontos TISS ou NEMS em 24
horas) e no número de pontos TISS ou NEMS efectivamente utilizados durante esse
período. O cálculo do WUR pode ser feito utilizando a equação seguinte:
sendo:
-
200, o
número médio de dias de trabalho anual de cada enfermeiro;
- 46, o número máximo de pontos TISS (ou NEMS) que um enfermeiro pode desenvolver num dia de trabalho;
- 3, o número de turnos de enfermagem (cada um com a duração de 8 horas) existentes num período de 24 horas
A equação pode ser facilmente ajustada para outros períodos de tempo, variando o número de dias de trabalho de cada enfermeiro e o somatório dos pontos TISS (ou NEMS).
Esta medida pode ser utilizada para avaliar o nível global de eficiência no uso dos recursos de enfermagem disponíveis. No estudo referido anteriormente [15], concluiu-se que esta eficiência é globalmente baixa (73%), embora muito variável (figura 1). No caso das cinco UCIs participantes do nosso país o WUR médio foi de 91% ± 14%. As cinco UCIs participantes no EURICUS I apresentaram um WUR médio de 91% ± 14%.
Figura 1. Work Utilization Ratio (WUR) nas
Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs) do estudo EURICUS-I [15]. Cada barra representa uma UCI, estando estas
ordenadas por valores crescentes de WUR. Adaptado de Moreno e Miranda
Globalmente, estes resultados confirmam os do estudo multicêntrico efectuado na Holanda em 1992, em que este valor era de 71% (figura 2) [14].
Figura 2. Work Utilization Ratio (WUR) nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs) do estudo multicêntrico realizado na Holanda [14]. Cada barra representa uma UCI, estando estas ordenadas por valores crescentes de WUR.
Este tipo de
instrumentos podem ainda ser utilizados ao nível de cada UCI para avaliar a
carga de trabalho efectuada e a a eficiência na sua utilização (figura 3).
Figura 3. Work Utilization Ratio (WUR) C numa UCI de 8 camas ao longo de um período de um mês. No exemplo apresentado, a linha horizontal representa um WUR de 1. Como pode ser observado, embora em alguns dias o trabalho efectuado ultrapasse o trabalho desejável, na generalidade situa-se um pouco abaixo deste.
CARGA DE TRABALHO DE ENFERMAGEM E ANÁLISE DE CUSTOS NA UCI
Os índices de carga de trabalho de enfermagem foram propostos para a estimativa dos custos da UCI. No entanto, permitem apenas a avaliação com algum
grau de rigor dos custos relacionados com o pessoal de enfermagem, que são, na
grande maioria das Unidades do nosso país, custos fixos. Quando se utiliza este
tipo de instrumentos para se avaliar os custos variáveis, o grau de correlação encontrado
é demasiado baixo para permitir a sua utilização generalizada. Esta metodologia
tem sido objecto de grande controvérsia na literatura, com posições a favor [16,17] e contra [18].
1.
Pronovost PJ, KJenckes MW, Dorman T,
et al. Organizational
characteristics of intensive care units related to outcomes of abdominal
surgery. JAMA 1999;281:1310-7.
2.
Blunt MC, Burchett KR. Out-of-hours consultant cover and
case-mix-adjusted mortality in intensive care. Lancet 2000;356:735 - 6.
3.
Cullen DJ, Civetta JM, Briggs BA, Ferrara LC. Therapeutic intervention
scoring system: a method for quantitative comparison of patient care. Crit Care
Med 1974;2:57-60.
4.
Reis Miranda D, de Rijk A, Schaufeli W. Simplified Therapeutic
Intervention Scoring System: The TISS 28 items - Results from a multicenter
study. Crit Care Med 1996;24:64-73.
5.
Reis Miranda D, Moreno R, Iapichino G. Nine equivalents of nursing
manpower use score (NEMS). Intensive Care Med 1997;23:760-5.
6.
Keene AR, Cullen DJ. Therapeutic intervention scoring system: update
1983. Crit Care Med 1983;11:1-3.
7.
Schwartz S, Cullen DJ. How many intensive care beds does your hospital
need ? Crit Care Med 1981;9:625-9.
8.
Knaus WA, Wagner DP, Draper EA, Lawrence DE, Zimmerman JE. The range of
intensive care services today. JAMA 1981;246:2711-6.
9.
Reis Miranda D, Langreh D. National and regional organisation. In: Reis
Miranda D, Williams A, Loirat P, eds. Management
of Intensive Care - Guidelines for better use of resources. Kluwer Academish
Publishers, 1990:83-102.
10.
Reis Miranda D, Gimbrere J. The Netherlands. New Horiz 1994;2:357-63.
11.
Moreno R, Reis Miranda D. Nursing staff in intensive care in Europe. The
mismatch between planning and practice. Chest 1998;113:752-8.
12.
Lockward HJ, Giddings L, Thoms EJ. Progressive patient care: a
preliminary report. JAMA 1960;172:132-7.
13.
NIH consensus development conference on critical care medicine. Crit Care
Med 1983;11:466-9.
14.
Quality, efficiency, and organization of intensive care units in The Netherlands:
an interdisciplinary study on medical and business aspects (Dutch language). Groningen:
Van Denderen, 1992 (Reis Miranda D, Spangenberg JFA, eds.
15.
Moreno R, Reis Miranda D, Iapichino G. Variations in the utilisation of
nursing manpower according to European areas [abstract]. Intensive Care Med
1996;22:S304.
16.
Malstam J, Lind L. Therapeutic intervention scoring system (TISS) - a
method for measuring workload and calculating costs in the ICU. Acta Anaesthesiol Scand
1992;36:758-63.
17.
Dickie
H, Vedio A, Dundas R, et al. Relationship between TISS and ICU cost. Intensive
Care Med 1998;24:1009-.
18.
Stevens VG, Hibbert CL, Edbrook DL. Evaluation of proposed casemix
criteria as a basis for costing in the adult general intensive care unit. Anaesthesia 1998;53:944-50.