Textoconferência em Medicina Intensiva: a experiência UniNet

María Jesús Coma, Ramón Díaz Alersi, Eduardo Almeida


IRC são as siglas de Internet Relay Chat que poderíamos e preferiríamos traduzir por "textoconferência". Especialmente quando, como agora, falamos de UniNet.

Embora se vejam agora os nossos nomes do detrás do título, são muitos o que o tornam possível, trabalhando empenhadamente, na medida das suas possibilidades. Por outro lado, a Medicina, conjuntamente com a Economia e o Direito são as áreas mais desenvolvidas de Uninet. Verão..., na figura 1



podem ver um corte histológico da biópsia de colo do útero de uma doente. Vêm-se células com mitoses anormais, atípicas, e má maturação do epitélio. É o que chamamos displasia koilocítica, de um grau entre moderada e grave.

Esta imagem não passará aos anais da Patologia, mas talvez sim da Internet, porque a doente estava na Argentina, numa localidade perdida na Pampa, de muito poucos habitantes, cujo nome nos vão permitir que fique no anonimato. Ali o patologista, que trabalha isolado, sem facilidades para consultar, fez umas fotografias digitais do  que via pelo microscópio, e através da internet enviou-as para serem vistas por vários patologistas.

Na figura 2


vemos uma imagem do monitor do computador, de um de nós naquela ocasião: na porção superior do écran vêm-se duas fotografias dessa biópsia, enquanto que  a parte de baixo mostra um quadro de diálogo das pessoas que estávamos comentando as imagens através de textoconferência em directo.

Esta espécie de interconsulta de médicos intercontinental, de momento só é possível na Internet, e além disso como vantagem acrescentada está o seu baixo custo,  imediatez, sensação de proximidade...


Bem, aquelas imagens eram de 1998. Na actualidade dispomos na UniNet de dois fóruns de consulta on-line com patologistas de todo o mundo, e uma bolsa do Fundo de Investigação Sanitária para investigar o custo-benefício do procedimento de interconsulta profissional on-line versus a tradicional, com actualizações, etc. Embora  neste momento, não disponhamos de resultados a este respeito, podemos constatar que as Autoridades Sanitárias se interessaram pelo assunto, e financiam um trabalho de investigação sobre o tema. Isso já é alguma coisa... e muito!

Estes como os demais dados que nos vão chegando da Internet provocam grande impacto.

A Internet tinha em Junho de 2000, uns 300 milhões, o que equivale a 5% da população do planeta. ¿Podemos dizer que estamos já na Sociedade da Informação?

Bom, todos vemos que tem grandes vantagens, mas antes de que a Internet seja para todos, deve superar uns quantos handicaps,

A Internet deve ser para todos, mas não o será se...

Internet deve ser para todos, mas não o será se...

Internet deve ser para todos, mas só o será se...

Estas palavras foram pronunciadas por Vint Cerf em 1999. E são especialmente interessantes para nós, porque esta é a filosofia que nos motiva. A nossa contribuição para esta ordem de coisas chama-se UniNet.

A verdade é que exposto assim, parece que uns inteligentes especialistas se sentaram em alguma convenção a filosofar sobre uma nova ordem de coisas, e trabalhando e calculando, desenvolveram UniNet.

Pois não, a verdade é que não foi assim. Foi de forma muito mais simples: surgiu de uma necessidade e de uns ideais. Verão, como bons médicos somos bastante ignorantes em informática. E uns por necessidade, outros por inquietação, e em algum caso por "equívoco" chegámos até aqui.

Por exemplo, um belo dia colocaram na Unidade de Investigação do Hospital General Yagüe de Burgos, onde trabalha um de nós, uma série de equipamentos de Internet a que chamaram servidores e clientes, eudora, ftp, netscape, SCO-UNIX, rediris y termos desse calibre... e foram-se embora, deixando a suposta administradora pasmada, na sua ignorância e angústia de ter que administrar tudo isso, ao serviço do Hospital. A sua interpretação de navegar era muito literal: navegava... à deriva, por hipótese.

E a angústia cresceu até que um dia viu outros realizarem comunicação em directo em Internet, por textoconferência: tratava-se de talk em unix. Após indagar e navegar bastante, conseguiu chegar a uma das redes mundiais de IRC, para comprovar que aquilo não tinha mais utilidade aparente que a de passar o rato, divertir-se e pouco mais.

Contudo, tivemos a sorte de encontrar pouco a pouco pessoas que compartilhavam a mesma ideia: ¿porque não utilizar o IRC ou textoconferência com fins de comunicação séria, e prática? e além disso, porque não utilizá-la dentro do campo de grupos de pessoas que compartilham interesses académicos, profissionais, científicos, etc. agrupando todas as ferramentas de Internet ao serviço dessas pessoas, de forma sensível e acessível a todos?

Bom, isso é A Rede Universitária de Serviço IRC e Serviços Telemáticos Integrados. Começou com muito poucas pessoas, agora somos milhares. O que se pode contar assim, em duas frases festivas, não foi tão simples. Houve muito que fazer, desde encontrar as pessoas interessadas até criar toda uma nova cultura do IRC. Mas todos sabemos bem que o que vale custa! Nesse projecto começámos a trabalhar formalmente a 28 de Novembro de 1996.

A união de muitos colegas e profissionais, tanto no campo das Ciências da Saúde, como em outras disciplinas e campos profissionais, materializou-se em vários subprojectos, entre o titulado "A proposta Reduni", apresentado em diversos fóruns académicos e institucionais de numerosos países, entre eles a comunidade universitária espanhola, nas Jornadas de RedIRIS celebradas em Saragoça em 18 de Novembro de 1997.

UniNet constitui-se como uma Cidade Virtual do Conhecimento, com diferentes áreas temáticas. O projecto é universal, temático, linguístico e geograficamente, aberto a todos os profissionais da Ciência e da Cultura, agrupados em 'Comunidades Virtuais de Usuários'.

A web http://www.uninet.edu contem um esquema da formulação de objectivos de UniNet, o seu desenvolvimento actual, os enlaces aos sítios webs de cada comunidade de usuários actualmente existente, localizados em diferentes servidores universitários, a relação de eventos a realizar, as publicações de cursos, conferências, conversas, etc. que se desenvolvem continuamente. Como a maioria da actividade internaútica, o trabalho é público e, em parte, foi publicado em diferentes meios.
Todo este trabalho, não o faz uma empresa, uma organização, uma instituição determinada. Trata-se de um trabalho cooperativo, desinteressado, voluntário, abnegado e altruísta, em que intervêm muitas pessoas de mais de 50 países, e é apoiado por muitas instituições públicas e privadas, como a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos. Na UniNet não há hierarquias nem burocracia, e governa-se mediante Comités, de adesão voluntária. Os participantes na organização e desenvolvimento actuam com mentalidade de serviço.

A ideia final é que um profissional sem conhecimentos informáticos especiais tenha ao alcance da sua mão todos os recursos da Internet, que sejam do seu interesse, e possa compartilhar os seus conhecimentos com grupos de profissionais afins.

UniNet, conta com um serviço de IRC-Científico, mediante uma rede de servidores universitários e afins, como suporte físico de canais de conversação em tempo real de carácter temático, de cada grupo ou comunidade de usuários.

Como sabem, na Internet há fundamentalmente informação, e comunicação. A comunicação interpessoal flui de diversas maneiras, com diferente velocidade: webs, as diversas formas de correio electrónico colectivo como news, listas de distribuição, o e-mail pessoal são meios de comunicação "em diferido".

Mas na Internet há também possibilidade de comunicação "em directo" mediante intercâmbio de textos (textoconferência ou IRC) intercâmbio de voz (audioconferência) ou imagens (videoconferência, MBone). Neste momento, os dois últimos estão em vias de desenvolvimento, enquanto que o IRC alcançou já a "maioridade".

O Internet Relay Chat (IRC) é uma ferramenta de comunicação efectiva e potente de Internet, que permite o intercâmbio de informação em tempo real entre duas ou mais pessoas.

Aparece pela primeira vez no ano de 1988 pela mão de Jarkko Oikarinen, como descendente directo do Talk, a que junta potência e versatilidade. Constitui o meio de comunicação em formato textual, em tempo real, mais rápido e capaz que existe até hoje.

A transmissão de textos entre dois ou vários usuários efectua-se de forma imediata, e produz uma sensação de proximidade física, de forma que a comunicação se assume como conversa "oral". No entanto não deixa de ser palavra escrita. E por isso combina vantagens de um e outro meio: a desinibição própria do intercâmbio oral com a opção de conservação do texto escrito transmitido.

Uma das qualidades diferenciais deste meio é a possibilidade de manter simultaneamente várias conversas com muitos usuários, em "canais de conversação", e de cada vez, um ou múltiplos colóquios privados entre duas pessoas. As diversas opções de canais, - que podem ficar secretos ou invisíveis em relação aos demais, limitados ou não a certo número de usuários, com entrada livre ou mediante convite, chave de acesso, etc.- permitem regular as suas características segundo gostos ou necessidades.

O IRC permite assim mesmo o intercâmbio de arquivos informáticos de forma imediata. Desta maneira, não só a conversa pode ilustrar-se com dados adicionais, imagens, sons, etc., se não também, utilizar a conexão com o objectivo primordial de intercambiar material informático, controlando de forma imediata o seu envio. Finalmente permite introduzir programação de comandos, eventos, etc. ao incorporar uma linguagem de programação própria.

A rede de textoconferências de UniNet tem algumas semelhanças com as redes de IRC conhecidas, tais como a disposição do hardware, a conversação em canais por intercâmbio de textos, o software cliente, etc. Mas outras características fazem-na substancialmente diferente das redes de IRC convencional. São as seguintes:

Estas Comunidades de Usuários geram-se expontaneamente, ao encontrar-se por um ou outro meio profissionais de interesses comuns. Qualquer profissional ou grupo de profissionais que deseje aceder a UniNet é bem acolhido. Se um grupo deseja uma nova área temática, basta solicitar o registo, e comprovar que está dentro dos fins científicos ou culturais do projecto de UniNet.

Então abre-se um canal de IRC mediante um robot informático, associa-se-lhe um espaço web, e proporciona-se-lhe o sistema de majordomo para a lista correspondente. Se é requerido, proporciona-se-lhe ajuda de webmaster, tutoriais de IRC, de desenho webs, etc.

Cada comunidade organiza diferentes actividades segundo o seu particular interesse, dirigidas a todos os usuários que livremente desejem participar. Incluída, por exemplo a Televisão Internacional Iberoamericana que já retransmite em directo sessões docentes a alunos de um Master da Universidade de Barcelona, que se transmite integralmente pela Internet apoiado na rede de IRC para formular as perguntas, obtendo algo como uma televisão interactiva. É um sistema barato, sensível, útil e acessível para muitos.

Neste momento há 32 canais de conversação, estruturados segundo as Comunidades Virtuais de Usuários, incluídos #uci e #cimc2000 onde se celebram as sessões on-line deste Congresso e #hci, onde se desenvolve o grupo de trabalho de software médico livre, que já conseguiu o aparecimento de protótipos de informatização da história clínica do doente internado em UCI

A nossa experiência pôs a descoberto que, se se ultrapassa o anonimato, e nos fundamentamos na responsabilidade pessoal a veracidade da informação transmitida, o IRC é um valioso instrumento com múltiplas aplicações, como por exemplo:


A. Docência


B. Investigação


C: Assistência,

Sabemos que integrando os diferentes serviços oferecidos (IRC, WWW, FTP, Listas de Distribuição de mail, newsweb, etc.) e fazendo com que colaborem activamente se consegue uma ferramenta eficaz para o trabalho científico. Mas evidentemente ainda temos que nos desenvolver muito mais. E nisso estamos, e contamos com a sua ajuda

E na Internet há coisas para superar... voltemos às palavras do autor do começo:

Internet deve ser para todos, mas não o será se...

Na Uniste impera a liberdade – no seu sentido mais pleno -. Por isso, todos manifestamos livremente a identidade pessoal na rede de IRC, porque não temos nada que ocultar nem recusamos aceitar as consequências dos nossos actos. E assim fomentamos a confiança e responsabilidade. Na Uninet actuamos em todo o momento com a dignidade própria das pessoas, respeitando com plenitude a declaração dos Direitos Humanos.

Bom, tudo isto nos parece muito importante, e espera contribuir para o desenvolvimento desta nova cultura que pode levar a um mundo melhor. ¿Porquê "nova cultura"?. Porque se trata de:


1. A comunicação universal imediata entre pessoas, individualmente ou em grupos, a nível planetário,

2. A informação directa, sem intermediários nem manipulações
3. A máxima relevância do indivíduo frente a outros indivíduos, desaparecendo muitos dos conceitos que tínhamos de "sociedade", dos diversos entes sociais artificiais, que nasceram num contexto geopolítico determinado, submetido a espaço e tempo, (desde as nacionalidades até aos sindicatos)
4. Um meio sem governantes, sem censuras e difícil de legislar. Qualquer um que tenha um acesso a Internet, pode agora relacionar-se em directo e sem obstáculos com todo o mundo, e isto, necessariamente mudará as formas sociais actuais.

Bom, já se fala de InterplaNet a Internet Interplanetária e calculam que em menos de uma década, teremos redes Terra-Marte....!!! Como diz Vincent Cerf, ¿"que melhor assunto que fazer de Internet o meio do terceiro Milénio"?. É... a Sociedade da Informação

Temos nas nossas mãos uma oportunidade única: cooperar com os nossos talentos no desenvolvimento positivo destas novas tecnologias, desta nova cultura, e protegê-la de governantes irresponsáveis, de comerciantes sem escrúpulos, de traficantes que converteriam as telecomunicações em novas barreiras sociais.

Há muitas pessoas esforçadas, inteligentes, apaixonadas e quase sempre muito jovens, mas sumamente especializados em informática e comunicações, que trabalham duramente neste campo. Entre eles, Horacio Peña, Juan Manuel Pascual, Borja Marcos e muitos outros..., que estão agora tornando possível este Congresso

Esta chispa do Divino que é o conhecimento humano, ¿saberá estar à altura das circunstâncias...?, ou o que é igual: ¿dominaremos a técnica, ou ela nos dominará?. É o momento de sacudir os puritanismos intelectuais, e aprestar-se a colaborar na construção de um mundo melhor, cada um na parcela que tem encomendada. Conseguir que Internet seja algo melhor para a Docência, a Investigação, para as pessoas, para a sociedade... é algo que está nas nossas mãos e que não devemos deixar de procurar fazer.



Bibliografia

·         Buil, JC; Garcia Fores, J; Garcia Solans, JR; Sanz Hernandez, S; Campo000s Martinez, J; (1998). Pharmacy and Internet: Current Advances.. Presented at INABIS '98 - 5th Internet World Congress on Biomedical Sciences at McMaster University, Canada, Dec 7-16th. Invited Symposium. Available at URL http://www.mcmaster.ca/inabis98/coma/buil0454/index.html